domingo, 23 de agosto de 2009

PERFUMES DE MIM

Esse cheiro de céu, é assim, meio que inexplicável, como o sorvete com gosto de rosa que tomei a alguns anos atrás e até hoje não saiu da minha memória.

Os lugares que nos levam, as lembranças que nos trazem, as sensações muitas vezes mágicas e indescritíveis que os aromas e sabores da vida nos provocam, tem um quê de fantástico, surreal e encantado.

Como explicar um cheiro de céu ou um sorvete com sabor de rosas?

Por outro lado, aromas simples e corriqueiros também podem nos proporcionar sensações fabulosas.

Terra molhada; capim; maresia; o cheiro do bolo que se espalha pela casa toda; alecrim; hortelã; essência de baunilha; cheirinho de bebê; roupa limpa; o café recém passado; um bom vinho tinto; o churrasco do vizinho - que é sempre mais cheiroso que o nosso -; protetor solar; hálito fresco...

Tem ainda aqueles cheirinhos que um dia fez parte da vida da gente, mas ficou no passado guardados numa caixinha de lembranças doce e emocional.

Aquela fralda que você não largava por nada quando era criança. Um cheirinho único, de inoscência.

Aquele perfume inesquecível, perdido em algum canto da memória que quando menos se espera vem a tona e reconstitui os mais perfeitos momentos.

Eu que já viajei muito, morei em diversos lugares diferentes e deixei em cada um uma lembrança, uma saudade, vira e mexe volto no tempo e me perco em devaneios ao me deixar levar pelas recordações lúdicas do passado que alguns aromas me proporcionam. Como da vez em que estava escolhendo um perfume numa loja em shopping da gélida Curitiba e entre uma borrifada e outra um cheiro tropical de relva e frutas me levou imediatamente de volta a tórrida Aracaju, em uma noite quente de luar num barzinho a beira mar, reunido com amigos especiais entre um drink colorido e outro celebrando a amizade. Emoção e nostalgia dilacerantes me envolveram instantaneamente e me levaram pra bem longe daquele shopping por longos minutos e a saudade que até hoje me acompanha foi então suavizada.

Outros cheiros nos proporcionam recordações de momentos que sequer vivemos, suscita-nos apenas o desejo de ter vivido aquilo. No meu caso sempre que entro em uma casa com cheirinho de bolo - coisa que aliás adoro - imagino-me entrando em uma casinha de madeira cor de rosa, com cortinas de babados nas janelas. Tenho um ramalhete de flores do campo nas mãos e uma senhora gordinha de vestido branco rodado, que é a cara da dona Benta, está sentada em uma cadeira de balanço fazendo crochê, com suas cãs presas em um imponente coque milimétricamente emoldurado em sua cabeça. Essa senhora é supostamente minha avó. Uma avó de contos infantis que nunca tive, mas sempre desejei.

Em O cheiro de Deus, livro de Roberto Drummond, a personagem protagonista vó Inácia Micaela, é uma senhora cega que vive sozinha, afastada de todos e certo dia sente a presença de Deus através de seu cheiro. Que cheiro é esse e como se dá esse encontro, sinceramente não sei pois ainda não li o livro, mas me pergunto como seria o cheiro de Deus descrito na história e teria realmente Ele algum cheiro se surgisse entre nós?

Teria o Todo Poderoso perfume de flores ou aquele inexplicável cheiro de céu?

Ainda há os odores desagradáveis para muitos mas que estranhamente para alguns como eu são deliciosos. Gasolina e cola de sapateiro são dois cheiros que fazem parte de uma excêntrica preferência olfativa minha, logicamente que em doses homeopáticas senão quem estaria lhes escrevendo seria um alucinado viciado em cola e seus derivados o que definitivamente não é meu caso, mas quando vou a um sapateiro ou posto de gasolina abastecer respiro mais fundo por alguns segundos e me deixo inebriar por esses peculiares aromas.

Metafóricos ou reais, amadeirados, doces, frutados, esquisitos... É indiscutível as poderosas sensações que os aromas provocam em nossos sentidos.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

FÁBULA

Era um homem, um homem comum, que um comum destino parecia controlar inteiramente. Um animal doméstico bem treinado.
Um dia sentiu um incômodo nos dois ombros, distenção muscular, má posição no trabalho... Foi piorando e resolveu olhar-se no espelho, de lado, inteiro e nu, depois do banho: não havia dúvida, duas saliências oblíquas apareciam em sua pele abaixo dos ombros. Teve medo mas decediu não comentar com ninguém, e como não transava frequentemente com a mulher, conseguiu esconder tudo quase um mês.
Fez como via fazer sua mulher: pegou de cima da pia um espelho redondo no qual ela ajeitava o cabelo e passou a analisar todo dia aquele fenômeno que em vez de o assustar agora o intrigava. Curioso mas sem sofrer - pois não doía -, foi observando aquilo crescer.
E pensava:
Nem adianta ir ao médico, porque se for um tumor (ou dois) tão grande, não tem mais remédio, é melhor morrer inteiro do que cortado.
Certa vez, quando se masturbava no banheiro, na hora do prazer sentiu que elas enfim se lançavam de suas costas e viu-se enfeitado com elas, desdobradas como as asas de um cisne que apenas tivesse dormido e, acordando, se espojasse sobre as águas.
Ficou ali, nu diante do espelho, estarrecido.
Agora ele não era apenas um homem comum com contas a pagar, emprego a cumprir, família a sustentar, filhos a levar para o parque, horários a cumprir: era um homem com um encantamento.
Eram umas asas muito práticas aquelas, porque desde que usasse camisa um pouco larga acomodavam-se maravilhosamente embaixo das roupas. Em certas noites, quando todos dormiam, ele saía para o terraço, tirava a roupa e varava os ares.
Sua mulher notou alguma coisa diferente no corpo de seu marido. Estava ficando curvado, tantas horas na mesa de trabalho. Nada mais que isso. Embora a mãe lhe tivesse dito que "com homem é sempre melhor confiar desconfiando", daquele seu homem pacato ela jamais imaginaria nada muito singular.
- Você vai acabar corcunda desse jeito, aprume-se - ela dizia no seu tom de desaprovação conjugal.
As coisas se complicaram quando, já habituado a sua nova condição, o homem anjo olhou em torno e, sendo ainda apenas um homem com asas, sentiu-se muito só, e começou a pensar nisso. E olhou em torno e se apaixonou.
Na primeira noite com sua amante, esqueceu o problema, tirou a roupa toda, e quando ela começava a apalpar-lhe as costas o par de asas se abriu, arqueou-se abrindo as pontas bem no alto por cima dele, na hora do supremo prazer.
Mas essa mulher/amante não se assustou, não se afastou. Apertou-se mais a ele, e dizia: vem comigo, vem comigo, vem comigo...
E abriu suas asas também.

Moral da história: os iguais se reconhecem mesmo inconscientemente.

domingo, 16 de agosto de 2009

28 PRIMAVERAS


Tenho 28 anos, rescém completados na última terça-feira, 11 e comemorados ontem, sábado 15.

A comemoração: balada tipicamente gls com direito a muitos shows performáticos de drags, música techno, casa lotada, alguns amigos, bebidas noite adentro, um suposto amor platônico e a incômoda sensação de que tudo continua igual.

Nada de especial. Não houve fogos de artifício, os sinos não tocaram e o tão desejado beijo não aconteceu.

Quase 30. É engraçado e tranquilizador como digo isso hoje sem o mesmo pavor que me acometia á 3 anos atrás, serenidade talvez ou conformação pura e simplesmente. Não sou mais o adolescente sonhador e romântico de 15 anos, que podia dar-se ao luxo de dizer que ainda tinha muito tempo pela frente. Ainda tenho tempo, apenas isso, o muito definitivamente ficou pra trás. E o que fazer com ele agora?

Estou me esvaziando de tudo que passou pra poder receber esse novo tempo com plenitude e sabedoria. Uma nova fase se descortina agora em minha frente, vou agarrá-la com tranquilidade, longe da ansiedade e do desespero que me acompanharam por tanto tempo. Seriam coisas da idade ou simplesmente reflexos de uma personalidade insegura? Não importa. O que importa é que me sinto menos ansioso, fruto de um amadurecimento gradativo, coroado depois da festa de ontem, acabo de constatar isso.

O que aconteceu na festa de tão especial para que chegasse a essa conclusão?
Tudo e nada.

Nada de especial como já disse. Nenhum fogo de artifício, nenhum sino, nenhum olhar apaixonado, nenhum beijo de amor. Fluidos corporais trocados as pressas com furor e desespero não fazem mais a minha cabeça - estou passando da idade - mas na verdade nunca fizeram, sempre procurei envolvimentos mais profundos em todos os sentidos da vida. Já olhei pra toda aquela gente cheia de pose e sem nenhum conteúdo com raiva, desprezo, revolta, tristeza, amargura... Ontem não, apenas as enxerguei como realmente são e constatei que são completamente o oposto de mim, de tudo que desejo e acredito, nem melhores, nem piores, apenas diferentes, muito diferentes e e isso é tudo, poder enxergar as diferenças que te desagrada nos outros sem aquele ranço de ressentimento, quando a grama do outro lhe parece mais verde e atraente que a sua. Acho que isso pode-se chamar de amadurecimento. Isso sem contar que o papo mais interessante que tive ontem foi com um senhor simpaticíssimo de uns 50 anos mais ou menos, que conheci no bar entre um show e outro.
Pessoas mais velhas sempre me atraíram desde criança, aos 15 anos tinha amigos maravilhosos de 40, acho que isso contribuiu muito pro desenvolvimento do meu intelecto e me tornou assim um tanto quanto mais exigente em relação aos amores e as amizades.

Então termino essa postagem e começo essa nova fase citando um trecho do livro da Lya Luft que comecei a ler hoje, Perdas & Ganhos: "Pois viver deveria ser - até o último pensamento e o derradeiro olhar - transformar-se."


APENAS UMA FRASE

"A dor é inevitável o sofrimento é opcional."

sábado, 15 de agosto de 2009

APENAS UMA FRASE



"Para que nada nos separe, que nada nos una."
Pablo Neruda

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

LIVRO

Acabo de ler Para sempre teu, Caio F., um delicioso e melancólico livro de cartas, conversas e memórias do escritor gaúcho, morto de aids em 1996, Caio Fernando Abreu. Escrito pela jornalista, grande amiga e companheira de Caio, Paula Dip, o livro é uma emocionante e envolvente viagem pela vida curta e intensa do escritor.
Ácido, irônico e extremamente dramático, Caio se aprofundava nas coisas e sentimentos mais simples da vida até sangrar, ele e o leitor de suas crônicas e contos tão corrosivos e reais. Caio deixava o nervo exposto e lutou com todas as forças até a última gota para sentir-se feliz e pleno antes de partir.
Pra mim, Caio foi como uma espécie de Cazuza -de quem era amigo- da literatura. Para quem não o conhece, acho que essa seria a melhor definição rápida sobre a vida e obra dele.
O livro com pouco mais de 500 páginas acaba e você nem sente, pelo menos eu não senti.
Recomendo o livro e as obras de Caio para quem gosta de contos e literatura de muitíssima qualidade e pra quem se interessa em conhecer um pouco mais a vida de artistas geniais e atormentados, que nos lavam a alma cantando, atuando ou escrevendo sobre tudo aquilo que não conseguimos verbalizar.
Só pra dar água na boca, reproduzo abaixo o trecho de uma carta escrita por Caio para a amiga Paula em uma temporada que ele viveu em Paris. Reparem se não é uma delícia:

Paris, 15 de abril de 1994.

"...Viver é bom demais, dear Deep. E veloz, meio gincana, ás vezes. Pegue tudo a que você tem direito, e nós temos direito a absolutamente tudo de bom. Porque há sangue em Ruanda, em Sarajevo, e outra vez na Palestina, há adolescentes mendigos lindíssimos pedindo esmolas pelos metrôs de Paris e estudantes em fúria pelas ruas - por tudo que há de mau no mundo, nós merecemos o máximo do bom. Sem culpa. On y va!
Ando mais bambi do que jamais, me dou pequenos presentinhos, faço tudo o que tenho vontade: me gratifico o tempo todo. E não existe outra cidade como Paris para você gratificar-se. Há alamedas inteiras de cerejeiras floridas, você passa por baixo e entra numa espécie de túnel pink - veadíssimo, voilá, ma troppo bello! -, há vitrines indianas, japonesas, javanesas, balinesas, para você se deter e ficar olhando a prata, as esmeraldas, as sedas. Descobri uma boutique só de sedas em Saint-Germain, outro dia passei uma hora inteira metido lá dentro, só tocando e sentindo, uma espécie de tesão na ponta dos dedos. Wow!
Que frenesí dos sentidos Paris me dá, Paula Dip.
Pedalices à parte, tout ça marche trés, trés bien. Os livros são um sucesso! Ganhei meia página a cores no L'Express, a Veja (com ética) daqui, uma foto em P&B com texto elogioso numa revista chic chamada Les Inrockuptibles, o programa de tv foi ótimo (eu estava numa simpatia devastadora), fui convidado para outro - Cercle de Minuit, um outro Jô daqui - no dia 25. Outro dia um menino me parou na rua do Louvre e me pediu um autógrafo. Eu, a Laika: "Mas porquoi moi?" Ele tinha visto o programa de tv, comprou Dulce V., adorou, deu para os amigos (o livro, mas talvez não só...). Eh bien, dei o autógrafo. Aí perguntei o nome dele. Ele respondeu "Damour". Eu: "Pardon?" Damour, não é que o garoto me deu um cartão, é pintor - chamava-se mesmo Damour? Há sinais pelas esquinas, dou autógrafos para o Amor na rua do Louvre e se alguém vier me falar mal da vida nestes dias que correm, eu juro que lhe parto a cara..."

A carta é longa, mas isso foi só pra dar um gostinho. Agora se depois de ler esse trecho você não tiver sentido pelo menos uma pontinha de vontade de conhecer Paris ou voltar, se já esteve lá, não leia o livro, você não vai sentir nada em nenhuma página.

domingo, 9 de agosto de 2009

APENAS UMA FRASE


"O ser humano tem necessidade das utopias"

domingo, 2 de agosto de 2009

APENAS UMA FRASE

"Há sempre alguma coisa ausente que me atormenta"
Camille Claudel

DOMINGO NO PARQUE...


Pessoas namorando
Pessoas abraçando
Pessoas caminhando
Pessoas tocando violão
Pessoas pedalando
Pessoas andando de skate
Pessoas se alongando
Pessoas relaxando
Pessoas refletindo
Pessoas falando japonês
Pessoas estudando inglês
Pessoas tomando água de coco
Pessoas comtemplando
Pessoas lendo
Pessoas comendo
Pessoas sorrindo
Pessoas sérias
Pessoas pensando
Pessoas correndo
Pessoas cantando
Pessoas jogando bola
Pessoas procurando
Pessoas conversando
Pessoas patinando
Pessoas admirando os cisnes negros
Pessoas acompanhadas
Pessoas solitárias
Pessoas amando
Pessoas respirando
Pessoas escrevendo uma poesia chamada VIDA...

CITAÇÃO


"Às vezes a vida fica insuportável. Em vez de cometer suicídio, eu entro num cinema. Tenho uma enorme paixão pelo cinema. Quando estou escrevendo sempre penso: onde está a câmera? Quem olha esta cena? Qual é o ângulo desta visão?"
Caio Fernando Abreu

Faço minhas as suas palavras, Caio.