domingo, 25 de setembro de 2011

UM ABRAÇO NA CHUVA


Ha meses amava-o em silêncio. Via-o todos os dias no trabalho. Eram amigos. Conversavam, riam, falavam besteiras, tocavam-se de forma displiscente. Um aperto de mão, um tapinha nas costas, uma bagunçada no cabelo. Nos últimos dias essas brincadeiras tinham se tornado um tormento para K, o desejo de tocá-lo e senti-lo mais intensamente aumentava a cada dia. O que havia começado como simples atração, estava tornando-se, para seu desespero uma avassaladora paixão, e como percebia no jeito de Y que não lhe provocava nenhum desejo além de pura amizade, passou a disfarçar seus sentimentos e abafar os gritos desesperadores de seu coração cada vez que o via no trabalho.

Nunca se encontravam fora daquele ambiente. Todo o contato que tinham era exclusivamente apenas ali dentro da central de relacionamentos daquela grande empresa. Por muitas vezes fizeram planos, combinaram de tomarem uma cerveja, curtirem uma balada, pegarem um cinema, mas nunca se concretizava, Y sempre arranjava uma desculpa para que o encontro tão almejado por K não se realizasse.

E pouco a pouco K foi entendendo que aquela era a maneira que Y tinha de frustrar todas as suas esperanças sem magoá-lo, mas magoava mesmo assim. Magoava e machucava como um punhal afiado rasgando a carne, saber que não era correspondido em seu desejo mais sublime, que não lhe provocava tesão, errepio, nem uma pequena curiosidade.

K entrou em crise ao constatar que não teria nenhuma chance com Y. Ficou deprimido e abatido ao convencer-se de que nunca experimentaria o toque firme e macio de suas mãos, o roçar de sua barba serrada em seu pescoço, seu beijo que parecia ser quente, molhado e vigoroso. Nunca escutaria em seu ouvido acompanhado de leves mordiscadas, palavras sussuradas por ele misturadas a seu hálito morno e seu perfume de chocolate amadeirado. Entender tudo isso e perceber dia a dia que Y parecia cada vez mais frio e distante matava K lentamente, como um veneno suave e letal. Além desse pesadelo de amor platônico, K ainda era obrigado a suportar diante de seus incrédulos olhos, Y marcar encontros e transas furtivas com outros colegas de trabalho. Recolheu-se a sua insignificância perante Y e calou-se literalmente, chegou a um ponto que não conseguia nem mais falar com ele, que percebera o abatimento do amigo, mas não querendo dar mais "pano pra manga" ficou na sua. K nunca havia falado de seus sentimentos para Y, mas seus olhos o denunciavam, revelava todos os seus segredos, derramava todo seu lancinante amor, inundava tudo em sua volta, e isso apavorava Y.

Os amigos aconselhavam, diziam a K que Y não merecia tanto sofrimento, nem ao menos uma lágrima. Que não tinha maturidade para entender nem receber um sentimento tão intenso e verdadeiro, pois só vivia relacionamentos fugazes. K também entendia tudo isso, mas não conseguia reverter estas constatações a seu favor, nem se sentir melhor por isso.

Depois de intensas e dolorosas semanas de sofrimento, numa noite em que trocou o sono pelo choro, derramou-se em lágrimas no chuveiro durante o banho e não conseguiu comer porque encharcou seu prato com o líquido que vertia fartamente de seus olhos, decidiu pôr fim àquele tormento e acabar de vez com o inferno que atordoava sua vida.

Ao chegar no trabalho aquele dia ninguém deixou de notar o ar desolado e quase assustador no semblante de K. Os mais chegados insistiam em questionar o que estava acontecendo, queriam consolá-lo, sentiam pena de seu estado. K apenas dizia que não era nada demais, tinha só acordado um pouco indisposto e nada mais falava. Manteve-se em silêncio durante toda sua jornada de trabalho, até que Y afetado pela tristeza de K resolveu se pronunciar. Aproximou-se da forma mais terna que conseguiu e perguntou a ele porque estava tão abatido, com os olhos inchados, quis saber se havia chorado, pediu que desabafasse, que estava ali para escutá-lo se ele quisesse. K olhou profundamente com seus olhos inchados no de Y e pediu que o aguardasse na saída da empresa após o expediente e então saberia tudo o que precisava saber.

O tempo estava nublado naquele dia e a meteorologia prometia uma forte chuva. A chuva começou fina e lenta ao cair da noite. Havia chegado ao fim mais um dia de trabalho de repente, fortes rajadas de vento e as gotas engrossavam. Y esperava K na saída como combinado com o guarda-chuva aberto. K apareceu sem guarda-chuva, Y tentou dividir o seu com K e propôs procurarem um lugar pra conversar, K recusou a ideia queria acabar com aquilo de uma vez. A chuva estava agora mais violenta, o guarda-chuva de Y arrebentou-se com a fúria do vento. A chuva abafava outros sons, quase gritando, Y disse a K que seria impossível conversarem ali na rua encharcados pela chuva. K interrompeu Y pedindo que o abraçasse, pois estava com frio. Y atendeu o pedido do amigo e o abraçou, K se agarrou a ele com toda força de seu ser e aos prantos confessou sua paixão ao mesmo tempo em que jurava por tudo que lhe era mais sagrado que aquelas seriam as últimas lágrimas que derramaria por ele e que deixaria de amá-lo a qualquer custo a partir daquele instante, que se tudo na vida é uma questão de escolha ele estava escolhendo não amá-lo mais, não importando que meios teria de usar para isso. E enquanto ouvia K falar, Y sentia cada centímetro do seu corpo quente, apesar do frio e da chuva, pulsar contra o seu. Sentiu os batimentos cardíacos de K, os pêlos arrepiados, o hálito de erva doce, a face macia e úmida encostando na sua.

Quando K afastou-se de Y, sentiu-se limpo, livre e aliviado, ao desabafar tudo o que sentia, era como se a chuva tivesse lavado e fechado todas as suas feridas na alma, sentia-se realmente pronto pra desintoxicar-se do veneno que havia sido sua paixão por Y. Despediu-se do amigo com um semblante sereno e caminhou pela chuva, que agora mais calma acarinhava seu rosto. Y permaneceu parado, estático, como se estivesse petrificado após aquele abraço na chuva vendo K partir, e entendeu, ainda que meio atordoado, que havia sido um completo idiota por nunca antes ter enxergado K como o enxergava ali naquele exato momento.