quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

PEQUENO MONSTRO - PARTE 3




COMEMORANDO 2 ANOS DO BORBOLETAS NA JANELA. OBRIGADO À TODOS QUE ENRIQUECEM ESSE BLOG COM SEUS COMENTÁRIOS E VISITAS!!!!!!!!!
Terceira parte da crônica de Caio Fernando Abreu:
De manhã, fiquei na cama até quase meio-dia. Escutei uns barulhos de gente acordando, mas não me mexi nem olhei, virado pra parede. Aí vieram outros barulhos, descarga de privada, torneira aberta, colher batendo em xícara na cozinha, a voz da mãe dizendo que eu era assim mesmo, dormia até o cu fazer bico, e uma voz mais grossa, que não era a do pai, falando outra coisa que não consegui ouvir. Depois uns barulhos de porta batendo, e silêncio. Eu sabia que eles tinham ido todos pra praia, e pensei em me levantar pra mexer um pouco nas tralhas do primo Alex, ninguém ia ver. Mas comecei a cair naquela coisa que eu chamava de entre-sono, porque não era bem um sonho. Meu pau ficava tão duro que chegava a doer, toda manhã, então eu apertava ele contra o lençol, parecia que tinha uma coisa dentro que ia explodir, mas não explodia, tudo começava a ficar quente dentro e fora de mim, enquanto eu pensava numas coisas meio nojentas - um peito da negra Dina que eu vi uma vez na beira do tanque, uns gemidos de gente e rangidos de cama no quarto do pai e da mãe. Eu não sabia quase nada dessas coisas, mas era justo nelas que ficava pensando sempre no entre-sono, o pau apertado sobre o colchão, até tudo ficar mais sono do que entre. Daí eu caía fundo no sono sem me lembrar de mais nada. Só saí da cama quando a mãe bateu na porta e falou que estava quase na mesa. Olhei pra cama do primo Alex, toda desarrumada, e pensei que o idiota devia estar na sala, sentado como se a casa fosse dele, tomando cerveja com o pai. Enfiei a bermuda, lavei a cara no banheiro e remanchei o mais que pude, pra não ver a cara de niniguém nem ninguém ver a minha. Mas quando saí e fui entrando pela casa, só tinha a mãe remexendo na cozinha e o pai sentado no degrau da varanda, lendo o Correio do Povo. Olhei em volta, não tinha nenhum sinal do primo Alex além da campeira xadrez desde a noite passada ali naquela guarda de cadeira. Não perguntei nada, fiquei sentado na ponta da mesa, riscando a toalha com a ponta da faca. Até que a mãe disse: - O Alex se encantou com a praia. O pobre nunca tinha visto o mar. Precisava ver, parecia uma criança. Ficou lá, não teve jeito de querer voltar. Bem feito, pensei, vai ficar vermelho feito um camarão. E de noite vai ter que passar talco nas costas e pasta de dente no nariz e ficar se rebolcando na cama sem conseguir dormir, porque quando a gente tá assim queimado até lençol dói na pele. Vai gemer e encher o saco a noite inteira e amanhã ou depois vai começar a descascar feito cobra trocando de pele até queimar tudo de novo e a pele ficar grossa que nem couro e ele começar a se sentir o máximo, de mocassim, calça branca e camisa banlon vermelha, todo queimado e idiota, idiota, idiota. Fui pensando nessas coisas enquanto a mãe servia a comida e o pai nem olhava direito pra mim, só lia o jornal, sacudia a cabeça e dizia barbaridade-mas-que-barbaridade, e eu nem conseguia comer direito nem sentir muito ódio. Que era mais um exercício de ruindade minha pensar aquelas coisas, precisava treinar todo dia pra não perder o jeito de ser pequeno monstro. Tomei quase um litro de qui-suco de groselha, puro açúcar, me deu um asco na boca do estômago, empurrei o prato sem fome. Disse que não estava me sentindo muito bem, e o pai falou: também pudera, o lorde, dormindo feito um condenado, vai acabar tuberculoso. A mãe falou: deixa o guri, também que implicância. Ele falou que era por isso que eu estava assim baseado, que ela parecia uma escrava minha. Ela disse que tinha alugado aquela casa na praia pra ver se descanava um pouco, não pra ele infernizar ainda mais a vida dela, que já era um martírio. E os dois estavam começando a gritar cada vez mais alto e eu aproveitei e fugi pro quarto sem ninguém ver.
CONTINUA...

domingo, 24 de janeiro de 2010

DE MAYSA E OSCAR WILDE

Acabo de ler MAYSA - SÓ NUMA MULTIDÃO DE AMORES, antes havia lido O RETRATO DE DORIAN GRAY de Oscar Wilde. Diferentemente da biografia da cantora Maysa, DORIAN GRAY é um romance de ficção, mas não há como negar que o autor colocou ali grande parte de sua personalidade em muitos diálogos. O que me leva a conclusão de que tanto Oscar quanto Maysa tem muito em comum: línguas afiadas, almas desassossegadas e paixões atormentadas.

Ambos morreram jovens, Oscar Fingal O'Flahertie Wilde aos 44 anos em 1900 e Maysa Figueira Monjardim aos 40 em 1977. Sem dúvida nenhuma viveram intensamente e deixaram nos anais da história opiniões, pensamentos, frases de efeito que nos ajudou muito a entender um pouco de suas fascinantes personalidades e até mesmo encontrarmos um grande grau de identificação.

Com vocês, um pouco de Maysa e Oscar Wilde. Não identifique-se se for capaz.

Oscar Wilde em O RETRATO DE DORIAN GRAY:

"Só existe uma coisa no mundo pior do que falarem de nós, e é não falarem de nós."

"Quanto a acreditar, posso crer em qualquer coisa, contanto que seja absolutamente incrível."

"O riso não é mau início para uma amizade e é indubitavelmente o melhor fim."

"Não quero desnudar minha alma a olhares curiosos e vazios."

"O objetivo da vida é o desenvolvimento da própria personalidade. Realizar perfeitamente nossa natureza."

"Viva a vida magnífica que palpita no íntimo de seu ser! Não permita que se perca coisa alguma. Esteja sempre à cata de novas sensações. Nada tema."

"Sim, pois a mocidade dura tão pouco... tão pouco... As modestas flores dos montes murcham, mas tornam a vicejar. O laburno estará, no próximo ano, tão amarelo quanto agora. Dentro de um mês haverá flores purpúreas na crematite e, ano após ano, a noite verde de suas folhas exibirá essas estrelas purpúreas. Mas nunca recuperamos a mocidade."

"Os homens casam-se por cansaço; as mulheres por curiosidade. Ambos se decepcionam."

"Quando nos sentimos felizes sempre somos bons, mas quando somos bons nem sempre somos felizes."

"Adoro os escândalos sobre as outras pessoas, mas os escândalos a meu respeito não me interessam. Não têm o encanto da novidade."

"O pecado é algo que marca a fisionomia de um homem. Não pode ocultar-se."

"Cada êxito que obtemos nos traz um inimigo."

Maysa em sua biografia SÓ NUMA MULTIDÃO DE AMORES:

"Há gritos incríveis dentro de mim que me povoam da mais imensa solidão."

"Ás vezes sou masoquista. Considero masoquismo aturar sem queixas uma porção de pessoas. Detesto gente burra e vivo me encontrando com elas."

"Dor física jamais me fez medo. Tenho medo apenas do que não depende de mim: amar e não ser amada, por exemplo."

"Primeiramente, bebo porque quero. Depois porque trabalho para pagar o que bebo. Finalmente, porque tenho senso de autocrítica. Muitas vezes reconheço-me insuportável e eu só suporto os insuportáveis bebendo."

"Tenho pavor da solidão. Quando estou só tenho certeza de que sou maior do que eu mesma e isto me apavora. Ninguém deve conhecer a sua própria dimensão."

"Em todas as vezes que tentei suicídio quis morrer sinceramente. Mas em nenhuma eu queria morrer imediatamente. Por isso morria pouco. Só uma coisa me faria morrer até o fim: o amor."

" Não dê nome a nada, as coisas são, puramente são."

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

SELO


Recebi este selo da Nina, uma nova amiga sensível e delicada do blog De volta ao meu eu. Obrigado Nina meu blog está sempre de coração aberto pra todos que desejarem receber minhas borboletas em suas janelas.

PEQUENO MONSTRO - PARTE 2

A segunda parte da crônica de Caio Fernando Abreu. Quem não leu o início pode acompanhar na postagem anterior


Bem devagarinho, fui me distraindo com essas coisas pelo caminho. Daí me atrasei tanto,que quando cheguei em casa, estava armado um começo de alvoroço. O pai já estava de chinelo e pijama, mechamou de desgranido e disse que ia me proibir de ir à praia a essa hora de louco e eu respondi que se me proibisse de ir nessa hora eu ia ficar no quarto trancado e não ia ir em hora nenhuma nunca mais, e a mãe falou baixo, mas eu escutei: é a idade, não liga, não implica com o guri, criatura. E me deu uma janta meio fria com milho duro e eu cheguei a abrir a boca pra falar que não era cavalo quando ela disse que o primo Alex já tinha chegado e estava dormindo, podre da viagem. Nem precisava dizer nada, sentado na ponta da mesa, eu já tinha visto aquela campeira xadrez pendurada numa guarda de cadeira. Mesmo que não pudesse ver nada, farejava um cheiro no ar. Nem bom nem mau, cheiro de gente estranha recém chegada de viagem. Polvadeira, bodum, sei lá. Quase não consegui comer, de tanto ódio. O pai foi dormir azedo, falando que no quartel eu ia ver. A mãe ficou mexendo no rádio, mas só dava descarga no meio de umas rádios castelhanas êle-êrre-uno-êle-êrre-dôs. Nada de Elvis, que eu gostava e ela fingia que não, só Gardel, que ela gostava e eu tinha certeza que não. Falei que ia dormir também, a mãe botou a mão no meu ombro e muito séria pediu pra mim prometer que ia ser educado com o primo Alex, coitado, que o pai dele tinha morrido e a tia Dulcinha passava muito trabalho e coisa e tal. Até prometi, não custava nada. Mas fiquei torcendo os dedos, rezando pra ela não repetir que ele era um bom rapaz, tão esforçado o pobre, se não meu ódio voltava. Ela acabou falando, bem na hora que Gardel cantava: sabia que nel mundo no cabía cada la humilde alegría de mi pobre corazón, e eu fui dormir com muito ódio. Dela, do pai, do primo Alex, da tia Dulcinha, dos bagaceiras da praia, do Gardel, de tudo.

Tirei a areia dos pés no bidê, lavei a cara e fiquei parado na frente do espelho. Pequeno monstro, falei. Mais de uma vez, três, doze, vinte, eu repetia sempre, me olhando no espelho antes de dormir: pequeno, pequeno monstro, ninguém, ninguém te quer. Mijei, escovei os dentes, gargarejei. Me deu vontade de vomitar, sempre me dava. Mas não vomitei, nunca vomitava. Tive vontade de me encolher ali mesmo, embaixo da pia, feito cusco escorraçado, e dormir até a manhã seguinte, para que todos vissem como eu era desgraçado. Meu quarto agora não era mais só meu,não podia ficar lendo até tarde nem nada, luz acesa até altas. A droga do primo Alex estava lá, e eu tinha prometido ser bem educado com ele, coitado.

Aquele quarto que agora não era mais meu, mas meu e do tal do primo Alex, ficava na parte de trás da casa de tábuas, numa espécie de puxado, ao lado de um banheiro, que antes dele chegar também era só meu, mas agora era meu e dele, que nojo. Apaguei a luz, parei na porta do banheiro e fiquei remanchando um pouco por ali, parado no corredor escuro, antes de entrar. Eu tinha que estar preparado para enfrentar aquele tapume de óculos, que certamente - eu conhecia bem essa gente - tinha deixado seus óculos sebentos na minha mesinha de cabeceira, e aqueles vulcabrás nojentos com umas meias duras no garrão saindo pra fora e um fedor de chulé no ar, escarrapachado na cama, roncando e peidando feito um porco. Que ódio, que ódio eu sentia parado naquele biricuete escuro entre o banheiro e o quarto que não eram mais meus.

Abri a porta devagarinho. A janela-guilhotina estava levantada, a luz apagada. Não tinha nenhum fedor no ar. A luz da lua entrando pela janela era tão clara que eu fui me guiando pelo escuro até a minha cama, sem precisar estender a mão nem nada. Sntei, levei a mão até a mesinha de cabeceira e apalpei, não tinha nem óculos em cima dela, só meu livro Tarzan, O Invencível, da coleção Terramarear. Pelo menos isso, pensei: a trolha não usa óculos. Fiquei de cueca, camiseta, me deitei. Não tinha nenhum barulho de ronco, nenhum cheiro de peido no ar, só aquele perfume meio enjoativo do jasmineiro ali no pátio ao lado. Os meus olhos foram se acostumando mais no escuro, e eu comecei olhar para a cama onde o primo Alex estava deitado, do outro lado do quarto.

A luz da lua batia direto nele. Ele estava deitado por cima do lençol, completamente pelado. Meus olhos se acostumavam cada vez mais, e eu, podia ver o primo Alex virado sobre o lado direito, as duas mãos juntas fechadas no meio das pernas meio dobradas. Ele parecia muito grande, tinha que encolher um pouco as pernas, se não os pés batiam lá na guarda no fim da cama-patente.Ele tinha muitos pêlos no corpo, luz da lua batendo assim neles fazia brilhar as pontas do pêlos. Ele tinha cara virada de lado, afundada no travesseiro, eu não podia ver. Via aqueles pêlos brilhando - uns pêlos nos lugares certos, não errados, que nem os meus - descendo para baixo do pescoço, pelo peito, pela barriga, escondidos e mais cerrados naquele lugar onde ele enfiava as mãos, depois espalhados pelas pernas, até os pés. Os pés encolhidos do primo Alex eram muito brancos, o pai dele tinha morrido, ele tinha estudado o ano inteiro e passado no vestibular não sei de que, lembrei. E não fazia barulho nenhum quando dormia, coitado.

Fiquei deitado na minha cama, olhando para ele. Depois de um tempo comecei a ouvir a respiração dele e fui prestando atenção na minha própria respiração, até conseguir que ela ficasse igual à dele. Eu respirava, ele respirava. Eu cruzei as mãos no peito e encostei a cabeça na guarda da cama para poder olhar melhor. Ele tinha cruzado as mãos no meio das pernas decerto para dormir melhor, o pobre, podre da viagem. Fiquei olhando pra ele, respirando devagar, no mesmo ritmo. Bem devagar, para não acordá-lo. Não sei porque, mas de repente todo o meu ódio passou. Ali deitado, olhando pro primo Alex dormindo inteiramente pelado, embaixo daquela lua enorme, o cheiro enjoativo dos jasmins entrando pela janela aberta, me dava uma coisa assim que eu não entendia direito se era tontura, sono, nojo, ou quem sabe aquele ódio se transformando devagarzinho em outra coisa que eu ainda não sabia o que era.


CONTINUA...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

PEQUENO MONSTRO - PARTE 1


Uma crônica de Caio Fernando Abreu escrita em 1975 dividida em cinco partes:



Naquele verão, quando a mãe avisou que o primo Alex vinha passar o fim de semana conosco na casa da praia alugada, eu não gostei nenhum pouco. Não por causa dele, que eu mal lembrava a cara direito, podia até ser qualquer outro primo, tio, avô. Mas, por minha causa mesmo, que tinha começado a crescer para todos os lados, de um jeito assim meio louco. Pernas e braços demais, pêlos nos lugares errados, uma voz que desafinava igual de pato, eu queria me esconder de todos. Só de tardezinha saía de casa, na hora que as empregadas domésticas - as dosas, o pai dizia - estavam voltando da praia. Então caminhava quilômetros na beira do mar, me rolava na areia, vez em quando chorava e repetia: pequeno monstro, pequeno monstro, ninguém te quer. Não suporatava ninguém por perto. Uma mãe insistindo o tempo inteiro pra tu ires à praia na mesma hora que todo mundo normal vai e um pai que te olha como se tu fosse a criatura mais nojenta do mundo e só pensa em te botar no quartel pra aprender o que é bom - isso já é dose suficiente para um verão. Como se não bastasse a minha desgraça, agora ia ter de dividir meu quarto com o tal de primo Alex. E não queria que ninguém ouvisse minha voz de pato grasnado, visse meus braços compridos demais, minhas pernas de avestruz, meus pêlos todos errados.



Fiz cara feia, a mãe nem ligou. Falou que ele vinha e pronto, que tinha estudado muito o ano todo, passado no vestibular não sei de que e precisava descansar e tal e tudo e que ela devia aquela obrigação à tia Dulcinha coitada tão só e que além do mais o Alex era um bom rapaz, tão esforçado o pobre. Isso eu odiava mais que tudo, aqueles bons rapazes tão esforçados e de óculos, sempre saindo com sacolas de lona na hora do almoço para comprar cervejas e coca-colas e cigarros pra todo mundo, ajudando a lavar pratos e jogando aquelas chatíssimas canastras sobre o cobertor verde na ponta da mesa. Empurrei a compota de pêssego argentino, a calda virou na toalha, armei a tromba. Esse era meu jeito de dizer: não careço nem ver a cara dele para ter certeza que é um coió.



Quase dormindo, mais tarde, naquela mesma noite que a mãe avisou que primo Alex vinha, eu tentava lembrar a cara dele e não conseguia. Na verdae, não conseguia lembrar a cara de ninguém desde uns dois anos atrás, desde que eu tinha começado a ficar meio monstro e os parentes se cutucavam quando eu passava, davam risadinhas, falavama coisas baixinho, olhando disfarçado pra mim. Eu tinha horror deles, que achavam que sabiam tudo sobre mim. Sabiam nada, sabiam bosta do meu ódio enorme por um por um de cada um deles, aquelas barrigonas, aqueles peitos suados, os pés cheios de calos. Eu nunca ia ser igual a eles - pequeno monstro, seria sempre diferente de todos. Era assim mesmo que iria me comportar com o primo Alex, decidi: pequeno monstro, cada vez mais monstro, até ele não aguentar mais um minuto e dar o fora pra sempre. Fiquei olhando com força pro colchão sem lençol da cama ao lado onde ele ia dormir, até encher o colchão com todo o meu ódio, pra ele se entir mal e ir embora no mesmo dia.



No dia que era o dia que ele vinha - e eu sabia porque a mãe não falava outra coisa, arrumou lençóis limpos na cama ao lado, mandou eu empilhar os gibis, guardar no guarda-roupa a roupa da guarda da cadeira -, saí de casa um pouco mais cedo e fiquei caminhando séculos na praia. Eu gostava de ir até aquele farol no caminho de Cidreira, onde tinha umas dunas e era bom ficar deitado na areia, olhando o mar sem fim. Vez em quando passava um navio, eu perguntava pra onde vai? pra onde vai? bem besta mesmo, não pensava o lugra, só perguntava assim: pra onde vai, sem pensar o nome nem nada. Depois pensava também se eu saísse agora reto daqui e entrasse no mar e que nem Jesus fosse capaz de pisar sobre as águas e fosse andando sempre em frente sem parar - ia dar onde? Achava que na Africa, na Índia sei lá. Em algum lugar, ia dar. Longe dali, de Tramandaí. Aí começou a sair do mar uma lua cheia bem redonda, e eu primeiro fiquei tentando ver nela São Jorge e o dragão, depois lembrei que era besteira, coisa de criança, e pensei crateras, desertos, quase via, Mar da Serenidade. Ou era Fertilidade? Fui olhando as coisas, me atrolhando por ali, até que de repente tinha anoitecido total, e eu tinha que voltar pra merda daquela casa com aquele pai e aquela mãe. Ainda por cima, fui lembrando no caminho, cada vez mais puto, e por causa disso caminhava mais devagar ainda e ficava cada vez mais noite, agora com aquele tal de primo Alex lá, enfiado no meu quarto.



Passaram uns bagaceiras com um violão e uma garrafa de cinzano, abraçados, cantando uma música de parque. Desviei deles, fui enfiando os pés na água morna do mar, de cabeça baixa pra não mexerem comigo. Vez em quando olhava pra trás e só ouvia aquelas vozes bem de bagaceiras mesmo, cada vez mais longe, cantando: a noite tá escura/ a lua fez feriado/ estou sofrendo a tortura/ de não sentir-te ao meu lado. Bestas, pensei, porque a lua não tinha feito feriado coisa nenhuma, feriado era lua nova, não aquela luona enorme, redonda, amarela, bem ali em cima e da cabeça da gente. Quando eu já tinha caminhado um pouco em direção ao norte, e os bagaceiras tinham sumido, olhando por cima do olho direito pensei, quem sabe agora, saindo reto aqui eu dou justo ali, no sulzinho da África, cabo das Tormentas. Ou era o da Boa Esperança? Aí de repente despencou uma baita estrela cadente, quase do tamanho da lua, tão grande que cheguei a parar pra ouvir o tchuááááááááááááá da estrela caindo dentro do mar. Não aconteceu nada, então falei bem alto, imitando aquela vozinha de taquara rachada da dona Irineide, professora de geografia: bó-li-dos, isso que o populacho chama de estrelas cadentes na verdade são bó-li-dos. Me senti muito culto e tudo, mas meio sem graça, daí lembrei que podia fazer um pedido, ou três, não sei bem, a gente podia. Então peguei e fiz. Que já que o primo Alex tinha mesmo que estar lá naquela merda de casa - e era impossível pedir que não viesse, porque já tinha vindo - que pelo menos ele fosse legal e não me enchesse o saco.





CONTINUA...








Um selo carinhoso para o blog De volta ao meu eu... da querida Nina

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

3 FILMES

No momento de ócio pelo qual passo tenho tido tempo de sobra pra fazer duas das coisas que mais gosto: ler e assistir filmes.

Recentemente acabei a leitura de O RETRATO DE DORIAN GRAY de Oscar Wilde e engatei a biografia de MAYSA-SÓ NUMA MULTIDÃO DE AMORES de Lira Neto. Em outra
postagem falarei sobre os dois livros e comentarei meus trechos favoritos.

Hoje quero falar de três bons filmes que assisti na última semana em DVD. Ao contrário de alguns, eu adoro filmes com lições de moral, mensagens bonitas que as vezes até soam clichê. Pra mim o filme sempre tem que me tocar de alguma forma, por mais que tenha sido um fracasso de bilheteria, se fala algo ao meu coração é o que importa.


Os 3 filmes são: NOIVAS EM GUERRA, uma comédia; A PELE, um romance e VERÔNIKA DECIDE MORRER, um drama. Todos foram um fracasso de bilheteria, sendo que A PELE nem chegou as salas de cinema, foi direto pras locadoras. No entanto posso garantir, se você, assim como eu, está mais interessado numa boa história do que numa mega produção repleta de efeitos especiais, os três filmes valem a pena.


NOIVAS EM GUERRA é sim, mais uma comédia água com açúcar, com duas lindas e jovens atrizes em ascenssão e uma mensagem bonitinha no final que diz que: "As vezes na vida existem laços reais que nunca podem ser rompidos. As vezes, você vai encontrar aquela pessoa que vai ficar ao seu lado aconteça o que acontecer. Talvez encontre uma pessoa e celébre isso com um casamento. Mas também existe a chance de essa pessoa, com a qual você pode contar a vida toda, essa pessoa que te conhece, as vezes melhor que você mesmo, seja a mesma pessoa que está a seu lado esse tempo todo." Clichê? pode ser, mas irresistível, como um bom filme sobre casamento que se preze, sem falar nas deliciosas interpretações de Kate Hudson (mais linda que nunca) e Anne Hathaway (fofa como sempre) e as hilárias situações em que as duas amigas de infância se metem tentando detonar o casamento uma da outra. Ótima pedida para uma preguiçosa sessão da tarde


Já o romance A PELE, com a bela e indefectível Nicole Kidman, conta a história baseada em fatos reais de Diane Arbus. Diane tem um bom casamento, lindas filhas, um marido apaixonado, uma casa grande e luxuosa. Trabalha como assistente do marido fotógrafo e parece ter uma vida perfeita, mas falta algo na vida de Diane, até conhecer seu misterioso vizinho Lionel de Robert Downey Jr. Um homem que sofre de uma anomalia que deixa seu corpo inteiro coberto por pelos, assim, apesar de não enxergar o rosto do homem, Diane fica completamente fascinada pelos mistérios que o cercam e começa aí uma improvável paixão. O filme é uma clara alusão a história de A BELA E A FERA com um emocionante final. Embora fã incondicional de Nicole, demorei para assisti-lo porque ouvi muitos bombardeá-lo, mas após vê-lo constatei que não vou mais dar ouvidos a opiniões alheias quando estiver a fim de ver determinado filme.



E por último, o meu preferido. Do Best Seller de Paulo Coelho o depressivo VERONIKA DECIDE MORRER. Mas por que uma jovem de 28 anos, bonita, com um ótimo emprego, um apartamento incrível, adorada pelos pais, resolveria se matar assim, sem mais nem menos? A própria Veronika responde, logo no início do filme:

" Bom, vamos ver. Após concluir que eu estou deprimida, sei lá..., vai me dar remédios, não vai?
E, eu sei que centenas de pessoas tomam e estão todas muito bem, sério. Vou sair daqui e voltar ao trabalho com meus novos antidepressivos. Vou visitar os meus pais e convencê-los que voltei a ser a pessoa normal, que nunca dá trabalho.
...E um dia, um cara vai me pedir em casamento. Ele vai ser gentil e meus pais vão ficar muito felizes. No primeiro ano vamos fazer amor o tempo inteiro. No segundo e no terceiro cada vez menos. Mas quando começarmos a enjoar um do outro, eu vou ficar grávida. Criar filhos, manter um emprego, pagar a hipotéca, vai manter nossa estabilidade por algum tempo. E aí, uns 10 anos depois, ele terá um caso, porque eu estarei ocupada demais e cansada demais. E eu vou descobrir, vou ameaçar matá-lo, matar sua amante e me matar. Nós vamos superar isso e alguns anos depois, ele vai ter outro. Dessa vez eu vou fingir que não sei, porque eu vou achar que não vale a pena armar um barraco. E eu sei que eu vou viver o resto dos meus dias, desejando que os meus filhos tivessem a vida que eu não tive. Outras vezes satisfeita por suas vidas se tornarem reprises da minha.
Eu estou bem, é sério."

Quem pode tirar a razão de Veronika? Ela simplesmente não quer ter uma vida como a que acaba de descrever e nem cogita a possibilidade de que seja diferente. Está cansada, exausta de vida tão sem sentido. É um direito dela não querer continuar. O drama tem uma belíssima lição no final. Sarah Michelle Gellar que não é nenhum assombro de atriz, caiu como uma luva no papel. Eu já tinha amado o livro e o filme só veio a confirmar que a história realmente funciona. Me arrepiei ao ler, me arrepiei ao assistir.













sábado, 9 de janeiro de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - DOGVILLE (3)


É difícil falar sobre esse sensacional filme, que foge completamente do lugar comum. Vou tentar ser o mais simples possível, embora Dogville seja tudo, menos simples.
Todas as críticas que li e ouvi até hoje sobre ele, são cheias de filosofias, reflexões profundas e aquele ar de intelectualidade e difícil entendimento permeando todo e qualquer debate sobre a história de Lars Von Trier.
Mesmo sendo digno de todas estas manifestações, pois o filme é realmente diferente de tudo que se já viu, aqui vou contar como essa história fantástica chegou até mim, de que forma me tocou a ponto de se tornar um dos fimes da minha vida.
Naquela noite de 18 de janeiro de 2004 tudo o que eu esperava ver na grande tela era a linda Nicole Kidman num bom filme, mas o que assisti na maravilhosa sala do Unibanco Arteplex em Porto Alegre, foi muito mais do que um bom filme com uma bela atriz, foi uma obra de arte, ousada, surpreendente e fascinante. A começar pelo cenário inexistente, apenas demarcado pelo chão com giz, passando pela narração sombria que te prende do começo ao fim como uma hipnose e atingindo seu clímax com um deleitoso final de uma história estarrecedora, Dogville não é um filme fácil de se digerir.
Por 3 horas se é bombardeado com amostras de até onde a crueldade humana é capaz de chegar, e nem se sente o tempo passar. Nicole na pele de Grace é a forasteira que chega a aparentemente pacífica e encantadora cidade de Dogville, fugida não se sabe de que e em pouco tempo torna-se escrava da cidade inteira, as formas de escravidão e maus tratos são as mais diversas possíveis. Mas por que os moradores de Dogville a princípio dóceis, tornam-se algozes tão cruéis e implacáveis com a inofensiva Grace? Afinal qual o segredo de Grace? De quem ela foge? Será que não é tão inofensiva assim? Como conseguirá se livrar de Dogville e seus constantes maus tratos?
O magnífico final de Dogville nos dá todas as respostas. O gênio Lars Von Trier dirige seu melhor filme até aqui. Nicole Kidman brinda-nos com uma interpretação soberba e Dogville entra honrosamente pro rol dos meus filmes inesquecíveis.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

RESOLUÇÕES DE ANO NOVO

Em 2010 quero um novo emprego.

Trocar de óculos.

Colocar aparelho.

Consultar um dermatologista pela primeira vez.

Recomeçar o curso de inglês que fiz em 2007.

Fazer academia.

Emagrecer 10 kg.

Ir aos shows do Coldplay e do The Cramberries em São Paulo.

Assistir ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS; EU TE AMO PHILLIP MORRIS e muitas outras estréias do cinema.

Conhecer o Rio de Janeiro.

Ver na tv a nova novela do Sílvio de Abreu, o remake de TI TI TI e a minissérie DALVA E HERIVELTO que estréia hoje.

Ler muitos livros.

Juntar dinheiro pra pagar minha faculdade.

E continuar lendo os blogs que eu adoro e recomendo: Diz que fui por aí..., pra quem gosta de uma leitura descompromissada, mas com conteúdo, é uma ótima pedida, sobre o comando de Marcelo Antunes; Ultramuito é um blog pra quem gosta de estar sempre antenado no mundo cultural com bastante leveza, a qualidade da escrita é excelente, beira a perfeição e é delicioso ler as opiniões de Fábio e Fernanda, os dois donos do blog, sobre literatura, cinema, tv, shows, música e sentimentos; de autoria de um certo Cristiano Contreiras Apimentário é basicamente sobre filmes, com uma escrita também excepcional Cristiano escreve de maneira muito peculiar sobre os filmes que assiste, é gostoso por ser profundas e curtas suas resenhas, você mergulha na história sem ficar cansado da leitura, excelente!!! Em Outro blog da Mary eu me divirto com as aventuras de Maria, uma estudante de jornalismo de 22 anos, cheia de charme e com uma presença de espírito maravilhosa; André, um querido, apaixonado por cinema, mantém o seu Histórias do arteiro tão discreto que poucos o seguem, eu sou um dos poucos sortudos e posso garantir, o cara escreve magistralmente e não porque tenha pretensões de critíco de cinema, mas simplesmente porque ama a sétima arte e é com amor que suas palavras chegam até mim; o Eu prefiro melão do Vítor é sobre teledramaturgia, pra quem gosta de novelas e seus derivados assim como eu, é um prato cheio, Vítor entende do riscado, até já participou do Vídeo Game da Angélica e ganhou; tem ainda o Mulherices, um blog cheio de feminices, comandado por 3 mulheres a lá Sex and the city, ácido, sarcástico, verdadeiro e delicioso, Karina Lima, Vanessa Pinho e Stella Bennevides arrasam e abalam as estruturas de quem as leem; e finalmente pra se emocionar até o último fio de cabelo, os sentimentos derramados e passionais de Nina em De volta ao meu eu..., ela é profundamente emocional, rasgante e apaixonada. Que venham muitos outros blogs tão maravilhosos quanto estes em 2010.

Se conseguir fazer metade de tudo que listei já fico feliz.