terça-feira, 20 de julho de 2010

MEU BEM QUERER É SEGREDO, É SAGRADO...

Não, eu não vou contar pra ninguém. Não quero compartilhar isso com quem quer que seja. Serei completamente egoísta. Quero que seja algo só nosso. Nosso mais precioso segredo, escondido como se fosse um pequeno delito, resguardado como um valioso brilhante.

O tempo custou a nos dar essa chance. Seguimos nos amando distantes, afastados do cheiro, do toque, da troca. Sem olhos nos olhos, sem respiração ofegante, suspiros e coração descompassado. Tudo o que tínhamos era o desejo inabalável e a projeção de um amor perfeito. Até o paralisante momento desse reencontro que nos deixou com a boca seca, os olhos inundados, as mãos úmidas e o corpo inteiro arrepiado de ternura.

Inútil verbalizar. Impossível traduzir essas sensações tão minhas, tão tuas, tão nossas.

Definitivamente não, ninguém tem que saber. Não vou mudar de status no orkut, nem colocar carinha feliz no MSN com legenda do tipo "amando", "completamente apaixonado" ou "namorando", muito menos twittar sobre isso.

Nosso amor não merece ser manchado pela inveja de olhos cobiçosos e mentes maldosas. Precisa ser preservado como um delicado camafeu. O que a gente tem agora é sagrado e é só nosso. Nossos planos, nossos momentos, nosso êxtase, nossa intimidade, nosso felicidade, nosso amor. E DE MAIS NINGUÉM.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - UM DIA MUITO ESPECIAL (6)

Numa tarde de um dia qualquer do ano de 1997, enquanto zapeava pelos canais da net, deparei-me com um filme italiano de 1977. Comecei a assisti-lo despretenciosamente e fui pouco a pouco sendo envolvido por uma delicada história de amor e amizade.

Em UM DIA MUITO ESPECIAL o ano é 1938, Sophia Loren e Marcello Mastroianni munidos de uma química sempre perfeita dão vida aos solitários Antonietta e Gabrielle. Ela, uma mulher casada, mãe de 4 filhos, que todo dia faz tudo sempre igual, acorda antes de todos prepara o café-da-manhã, serve a família e se despede com um beijo nos filhos que vão pra escola e um seco tchau do marido fascista que a negligencia. Em mais um dia aparentemente igual a todos os outros o passarinho de Antonietta, sua única companhia em dias tão vazios, foge da gaiola por descuido e é ao ir atrás dele que conhece seu vizinho Gabrielle, pois o pássaro pousa em sua janela. Ele, um radialista desempregado por ser homossexual e depressivo, vive sozinho em um pequeno e aconchegante apartamento.


Daí em diante acompanhamos o que seria um dia muito especial na vida de ambos. É primavera e Roma celebra a visita de Adolph Hittler e Benito Mussolini, mas Gabrielle e Antonietta dois excluídos pela sociedade não estão muito preocupados com isso. O homem culto, charmoso e inteligente conduz a dona-de-casa simples, acostumada com a rotina inssossa de um casamento mecânico a um mundo novo e fascinante. Sem sair dos domínios de seu prédio, Gabrielle proporciona a Antonietta uma viagem inesquecível através de suas histórias, livros e discos.

Os dois vivenciam uma intensa relação humana, onde compartilham dramas e esperanças, a tal ponto da ingênua Antonietta acreditar-se apaixonada por seu encantador vizinho, mas descobrindo a homossexualidade de Gabrielle, entende que o sentimento que se estabelece entre eles é algo muito mais profundo que uma simples paixão.

Entre risos, lágrimas, reflexões e uma contra-dança Antonietta e Gabrielle descobrem a grandeza de um amor puro. E com essa história simples, porém carregado de subjetividade, desespero e doçura, aquela tarde de um dia qualquer do ano de 1997 tornou-se inesquecível e muito especial.


terça-feira, 6 de julho de 2010

CHEESECAKE DE FRUTAS VERMELHAS


A água quente do chuveiro escorria lentamente sobre o corpo lânguido dela embaçando os vidros e o espelho do banheiro. Envolveu-se num felpudo roupão branco de algodão. Enquanto escolhia a roupa que ia vestir, ouviu o canto do canário na varanda, esboçou um sorriso triste. Observou o clima do tempo pela janela do quarto, uma chuva muito fina, quase imperceptível, mas persistente, assim como a melancolia que habitava sua alma, caía lá fora. O céu estava cinza, mas de um cinza bonito, que dava o tom exato ao outono com suas folhas secas caídas ao chão.


Vestiu a capa creme de tecido sintético, botas de couro marrom de cano e saltos longos e sentou-se defronte ao espelho da penteadeira ocupada por cremes, perfumes e toda a natureza de produtos femininos. Prendeu os longos e lisos cabelos negros num coque displiscente deixando alguns fios soltos nas laterais do rosto. Aplicou uma maquiagem leve, sentiu-se bonita. Calçou as delicadas luvas brancas de seda, pegou o guarda-chuva cor-de-rosa e saiu exalando no ar o cheiro suavemente adocicado do perfume de frutas cítricas.


Era a primeira hora de uma tarde nublada de quarta-feira, fazia um frio ameno e aquela chuvinha continuava. A mulher meticulosamente vestida e produzida para uma ocasião especial desceu do táxi amarelo, adentrou o teatro, sentou-se sozinha em uma fileira de cadeiras vazias e durante as duas horas que se seguiram deixou que suas discretíssimas lágrimas lavassem sua alma amargurada enquanto assistia a ópera Madame Butterfly. Após o término do espetáculo retocou a maquiagem, atravessou a rua e entrou no shopping que ficava em frente ao teatro. Caminhou durante longos minutos comtemplando vitrines e pessoas, observava a tudo e todos cuidadosamente como se quisesse desvendar um grande segredo.


Entrou numa chocolateria, fechou os olhos, inspirou profundamente deixando que o aroma sublime da loja invadisse todos os seus sentidos. Doces eram sua perdição e após sair do transe olfativo no qual se deixou envolver pelo aroma dos diversos chocolates não se refreou em gastar uma pequena fortuna numa belíssima caixa de bombons suíços recheado com lícor de variados sabores.


Passeou pela imensa livraria. Adorava livros, comprou um grande e grosso de receitas, lindamente ilustrado e caro. Levou também um cd de boleros clássicos. Saindo do shopping com algumas sacolas, caminhou em direção ao parque, atravessou-o com o guarda-chuva aberto em uma das mãos e as sacolas em outra. Parou no meio do parque, olhou atentamente as árvores, a chuva fina que caía do céu cinza e afastou um pouco o guarda-chuva para que os miúdos pingos tocassem seu rosto. Seguindo seu destino, passou na locadora e alugou Bonequinha de Luxo, tinha veneração por aquele filme, por Audrey Hepburn e por Moon River.


Quase fim de tarde. Antes de voltar pra casa ainda passou no pet shop pra comprar o alpiste do canário e no mercado, onde comprou os ingrediente para uma receita do livro novo que tinha acabado de adquirir.


Já em casa, colocou o DVD pra rodar e deixou-se fascinar mais uma vez pelo charme eterno da bonequinha de luxo. Ao fim do filme decidiu que era hora de saborear a deliciosa receita do livro, um maravilhoso cheesecake de frutas vermelhas. Tudo o que fazia era com muito capricho e esmero. Preparou primeiro a massa, lavou as frutas, amoras, morangos e framboesas, picou-as e enquanto executava a receita ouvia o Bolero de Ravel. Com o cheesecake quase pronto, colocou água no fogo para o chá que o acompanharia e serviu alpiste para o canário.


O cheesecake de frutas vermelhas sobre a mesa era uma verdadeira obra de arte. Serviu-se de uma fumegante xícara de chá de hortelã e um generoso pedaço da torta. Tomou um gole do chá que aqueceu até a alma, com o cair da noite o frio havia aumentado e antes de saborear o primeiro pedaço da cheesecake, hesitou e pensou em tudo o que tinha feito, visto e sentido naquele dia. O banho quente e demorado que embaçou os vidros do banheiro; o canto do canário; a ópera; as pessoas no shopping; as vitrines lindamente montadas que enchiam os olhos; os aromas da chocolateria; o sabor do bombom suíço; os ares de requinte e sofisticação da imensa livraria; a beleza do parque numa tarde de outono; os pingos de chuva pousando mansamente em seu rosto; a escolha minuciosa das frutas no supermercado; o filme; o Bolero de Ravel, que ainda tocava e o preparo da cheesecake. Tudo naquele dia parecia um ritual sagrado e de certa forma era, havia algo de mágico em cada detalhe. Tudo havia sido meticulosamente preparado pra que fosse um dia perfeito e como tudo que é perfeito não se repete duas vezes mastigou lentamente um pedaço de sua obra de arte, saboreando cada pequena explosão de sabor no céu de sua boca. Enquanto deliciava-se com a torta o sorriso melancólico reapareceu em seus lábios, mas agora era também um sorriso de vitória. Tinha conseguido finalmente transformar seu último dia de vida num dia especial. Depois de uma vida inteira mergulhada em tristeza e amargura conseguiu enxergar a beleza das coisas, mesmo que por apenas algumas horas.


Começou a sentir dores insuportáveis, tombou a xícara de chá com a mão, espatifando-a em pedacinhos no chão, contorceu-se ao lado dos cacos de porcelana enquanto o veneno de rato que tinha comprado na pet shop junto com o alpiste e misturado a massa da cheesecake de frutas vermelhas, fazia efeito.