quinta-feira, 18 de março de 2010

DO LUXO AO LIXO MUSICAL



Vamos falar de música?


Este post à princípio era pra falar sobre Lady Gaga. Sobre os motivos que me fazem gostar tanto dela. Visto que logo no início, quando ela começou a despontar na mídia, me parecia mais uma cantorazinha ao estilo Britney Spears, ávida por se tornar mais uma polemista de quinta, disposta a disputar o cargo de substituta oficial de Madonna. O que me fez repeli-la num primeiro momento, pois detesto tipinhos como os de Britney, que não cantam porra nenhuma e só conseguem chamar a atenção com letras pra lá de apelativas e coreografias que mais parecem posições do kamasutra, usando uma sensualidade forçada e requentada, que já não funciona mais.



Pois bem, depois de alguns meses e após a primeira entrevista de Lady Gaga à uma emissora de tv brasileira, comecei a prestar mais atenção na moça e percebi que seu estilo exagerado, chocante e por muitas vezes bizarro era muito mais do que uma simples estratégia de marketing para chamar a atenção da mídia e vender milhões de discos. Por trás de tanto glitter, roupas espalhafatosas e maquiagens nada convencionais está Stefani Joanne Angelina Germanotta, uma jovem de 23 anos, inteligente, sensível e consciente, uma artista nata, que escreve suas próprias letras, monta seus próprios figurinos e suas coreografias. E apesar do discurso clichê sobre a declarada identificação com gays, que parece ter se tornado obrigatório a qualquer artista pop que deseja fazer sucesso nas pistas de dança, a identificação é realmente verdadeira.



Lady Gaga sempre se sentiu diferente, dentro de um mundo que não era seu. Então resolveu criar seu próprio mundo e mesmo sendo de família rica, foi à luta sozinha sem o apoio dos familiares e conseguiu expressar da forma mais visceral e colorida possível toda sua essência, bem ao estilo gay de ser, com letras provocativas, voz forte, coreografias poderosas e muito glamour. Lady Gaga é puro luxo e eu adoro.



Mas como avisei no início, o post que era pra ser apenas sobre Lady Gaga e seu trabalho que admiro, acabou virando um post sobre música e seus intérpretes, o que presta e o que não presta, o que meus ouvidos e merecem e apreciam e o que não.



Enquanto pensava e elaborava essa crônica, meus sentidos foram invandidos durante as últimas semanas por duas "pérolas" do nosso atual cancioneiro brasileiro, essas musiquinhas de carnaval que explodem durante os fatídicos 5 dias de folia em fevereiro e a maioria da população brasileira de "muito bom gosto" adora e se esbalda. Aí as bandas que fizeram tremendo sucesso na festa de Momo, começam a invadir os mais "sofisticados" programas da tv brasileira: Domingão do Faustão, Superpop, Domingo Legal, Programa do Gugu e seus derivados.



Curiosos pra saber quais são as duas "maravilhosas" canções que invadiram meu dia-a-dia nas últimas semanas? Primeiro uma letra bem "sutil", que narra a história de Chapeuzinho Vermelho com o seguinte refrão: "vou te comer, vou te comer, vou te comer, vou te comer". Será uma letra muito apelativa em pleno efervescente carnaval de Salvador? Nããããããão, imagina!!! não tem nenhum duplo sentido, apenas uma letra ingênua pra divertir as crianças no carnaval. O pior de tudo, foi ver essa banda chamada O Báck no programa da ilustríssima Luciana Gimenez, tentando convencer a si próprios de que iriam sobreviver a efêmera festa da carne. No palco, além dos seis rapazes com cara de recém saídos da adolescência, gabando-se por terem sido apadrinhandos por Ivete Sangalo, estavam duas modelos que foram rainhas, madrinhas ou sei lá o que do carnaval e um crítico musical voraz e impiedoso que me deleitou com suas opiniões venenosas e extremamente verdadeiras sobre o grupo e sua "encantadora" canção.



Depois do tal programa da Lu, os rapazes parecem ter tomado chá de sumiço mesmo, como profetizou o tal crítico, que disse que em dois meses ou menos ninguém mais ouviria falar neles. Mas eis que surge na mídia, logo em seguida, pra não nos deixar esquecer que a lixeira musical brasileira pode ser inesgotável, o "sensacional" Rebolation. Liderado por um negrão sarado e tatuado, que provavelmente estará em breve nas páginas da G Magazine, o grupo Parangolé conta ainda com umas 5 ou 6 dançarinas vestidas de odaliscas eu acho (não dá pra identificar direito que roupa é aquela), que se requebram atrás do gostosão enquanto "o rebolation, o rebolation, o rebolantion tion, o rebolation" é executado. Mais um grande candidato ao grammy da cafonice e do mau gosto. O Rebolation realmente caiu na boca do povo, por enquanto até agora está firme e forte por aí. Só na mesma semana personagens da novela Cama de gato e do humorístico Zorra Total cantarolaram seu refrão. O que me consola é que o grupo lembra bastante o praticamente esquecido Harmonia do Samba, se seguir o memso caminho que ele pra mim já está de bom tamanho.



Mas graças a Deus, ainda existem coisas que fazem meus ouvidos e meu coração felizes nesse país tão rico de artistas realmente talentosos e pouco conhecidos. Artistas como o mineiro Vander Lee. O cantor de 44 anos, tem um estilo que lembra Djavan e Chico César, é também compositor. Em suas letras fala de acontecimentos da vida cotidiana, e sempre com um lado romântico, fala de amor. Já gravou com grandes nomes da MPB como Zeca Baleiro, Elza Soares, Rita Ribeiro, Emilinha Borba, Leila Pinheiro e Nando Reis. Recentemente compôs a música Estrela que foi gravada pela cantora Maria Bethânia. Mas minhas músicas preferidas dele são Esperando aviões e Onde Deus possa me ouvir. Ouça e deixe sua alma fascianada e encantada.











domingo, 14 de março de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO (5)

Após 15 anos na prisão por ter assassinado o próprio filho, um garotinho de 5 anos, Julliete conquista novamente a liberdade. Quem vai buscá-la na prisão é a irmã mais nova, Léa, única família que lhe restou. Léa leva Julliete pra sua casa, com uma família estruturada, Léa mora com o marido, as dua filhas e o sogro e acolhe Julliete em seu lar com todo o carinho.

Todo o tempo existe uma preocupação da parte de Léa, em ser agradável com a irmã, puxando conversa, revelando o quanto sentiu sua falta, deixando-a à vontade, mas com o cuidado de não tocar em assuntos constrangedores, porém Julliete é seca e suscinta. Fala o mínimo possível, não consegue nunca sorrir e através dos profundos olhos verdes demonstra toda a amargura contida, uma tristeza intransponível.

Em HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO, viájasse por um universo de emoções dilacerantes. São aquelas emoções que por mais que você tente, por mais que se verbalize, nunca vão parar de sufocar. Julliete matou o próprio filho, pagou pelo crime, a irmã não entende, mas a ama e tenta demonstrar todo esse amor da forma mais doce possível, afinal sua irmã já pagou o que devia à sociedade, mas existirá sempre o ponto de interrogação, por que? Eis aí o amor incondicional.


Julliete, apesar da aparência abatida, logo no primeiro momento já parece forte e confirma isso no decorrer da trama através de sua postura firme e elegante. É uma mulher inteligente, bonita, culta, envolvente. Mas por que essa mulher tão interessante cometeu um crime tão abominável? Os sentimentos se confundem. Será mesmo que ela fez isso, será que foi um acidente, será ela uma psicótica-neurastênica que tirou a vida do filho num acesso de loucura, será que armaram pra que ela fosse presa acusada desse crime, e pela dor de perder um filho tão precocemente ela aceitou pagar sem resistências por um crime que não cometeu?


Será os sentimentos de Léa tão puros e incondicionais quanto ela demonstra ser? Por quanto tempo uma pessoa fica aprisionada à uma culpa tão devastadora? Com o passar do tempo Julliete vai deixando de lado a dura cerviz e dando lugar a uma mulher mais desarmada, abrindo a guarda sutilmente, mas os fantasmas do passado sempre pairam no ar. Julliete têm dificuldade em se envolver amorosamente, sente necessidade de amor, mas o pavor de que descubram o que passou a paralisa.


Julliete consegue aos poucos, com muito esforço voltar a viver, ganha um emprego, conquista a confiança do cunhado que a princípio não a enxerga com bons ohos dentro de sua casa, interage socialmente, monta um apartamento, curte os pequenos prazeres da vida como passeios no parque, a leitura de bons livros e visita a museus e finalmente nos entrega um sorriso.


O filme lindamente dirigido pelo estreante Philippe Claudel e estrelado por uma fascinante e enigmática Kristin Scott Thomas além de uma belíssima fotografia e produção impecável, culmina na emocionante revelação de Julliete para a irmã Léa, do verdadeiro motivo de seu crime, ao som de uma deslumbrante música francesa, que até então eu desconhecia, na interpretação do cantor Jean Louis Aubert. Depois de uma profunda viagem emocional termina com chave de ouro ao som de versos como estes:


" Na fonte clara eu fui passear
Encontrei a água tão suja que eu teria chorado
Há muito tempo que tudo desaba
Jamais sobreviverei
Sobre o mais alto galho, um pássaro depenado
Chora oh rouxinol, chora
Você não pode mais voar... "


Abaixo os links com o clip da música e o trailler do filme:




quarta-feira, 10 de março de 2010

SELO


Dedico este selo ao blog http://ultramuito.blogspot.com/, que é ultramuito bacana, inteligente, bem escrito, leve, dinâmico, delicioso. Eu provei e recomendo. Agradeço também à Fábio e Fernanda, os proprietários, por dedicarem tempo e carinho escrevendo textos tão especiais.

terça-feira, 9 de março de 2010

UM AMOR PURO

"Um amor puro não sabe a força que tem..."
(Djavan)





Dominic e Gregory se conheceram no início da adolescência. Dominic tinha 11 e Gregory 11 e meio, como fazia questão de ressaltar. Foi no verão de 1992, Dominic não imaginava, mas aquele verão mudaria todo o resto de sua vida, sua visão de mundo, um sopro de esperança como uma lufada de vento fresco num dia tórrido de calor.

Domi, como era carinhosamente chamado pelos pais, era diferente dos outros garotos. Um pouco mais sensível, um pouco mais delicado, um pouco menos masculino. Educadinho demais, como diziam alguns adultos, bichinha demais, como diziam alguns filhos desses mesmos adultos. Realmente, Domi era cheio das feminices, gostava de bonecas e ficar na companhia de meninas. Na escola era achincalhado, principalmente e em sua grande maioria pelos garotos. Crianças são verdadeiramente muito cruéis e quando o alvo dessa crueldade era Dominic, o repertório de ofensas e humilhações era extenso.

A escola foi por muito tempo na vida de Domi um tormento, por muitas vezes os pais tinham que comparecer a instituição para interceder por ele, conversar com alguns alunos perseguidores, solicitar a professores e diretores que protegessem mais seu filho de tantos ataques. Apesar de tantos desafios Dominic erguia a cabeça e seguia em frente, tentando ignorar os que lhe afligiam dor gratuita e maldosa. Ele era um menino alegre e só queria ser feliz do jeitinho que era. Tinha vontade às vezes de ficar com os meninos, conhecer melhor o universo deles, que era diferente do seu, mas eles não deixavam nem que se aproximasse, sua viadagem poderia ser contagiosa.

Domi sofria, chorava e sonhava em silêncio com o dia em que todos o aceitariam, e todos o amariam e descobririam a pessoa maravilhosa que ele era. Ele só queria ser amado. Sabia que era amado pelos pais, mas queria mais. Queria ser amado pelos professores, pelos colegas, pelos vizinhos, se sentir querido ao invés de rejeitado e afrontado todo o tempo.

Quando ia com os pais na casa de amigos com filhos da mesma idade que a sua, sabia que se não tivesse uma menina na casa, ficaria num canto sozinho vendo os meninos brincarem ou então ao lado da mãe o tempo todo. Mas pra não ouvir o detestável comentário: "...mas esse menino não larga da barra da saia da mãe", preferia sair de perto dela e ficar sozinho num canto mesmo. Os meninos eram um mistério pra ele, um mistério intrigante e fascinante que ele tinha muita vontade de desvendar, e o faria se não se sentisse tão intimidado com suas agressividades.

Mas eis que surge o dia em que Dominic conhece Gregory. De férias, na praia com a família, montando seu castelo de areia, Dominic sente uma sombra tampando o sol sobre suas costas, quando vira a cabeça pra ver quem é, enxerga um bonito garoto de sunga azul com desenhos de ondas e cabelos negros. O garoto é Gregory que com uma voz um pouco mais grave que a de Dominic pergunta se pode ajudá-lo a construir o castelo. Domi fica surpreso com a aproximação do garoto e aceita a companhia. Logo os pais de Gregory aparecem apresentando-se aos pais de Dominic e ali tem início uma nova amizade. Os pais de Gregory contam que moram na capital e estão de férias na praia, que Greg é filho único, mas bastante desinibido e extrovertido, puxa assunto e faz amizades com várias crianças por onde passa. Os pais de Dominic convidam os de Gregory para um jantar e concretizam a amizade entre eles e seus filhos.

Os dias se passam e com eles aumenta o encantamento de Dominic por Gregory. Greg é bonito, atencioso, divertido, inteligente, gosta de sua companhia e não o rejeita. Dominic sempre sonhou, mas nunca acreditou que conheceria um garoto assim um dia. Gregory era a personificação de tudo o que Dominic havia desejado em silêncio durante todos os seus dias, meses e anos de tormento. Sentia-se forte e protegido ao lado dele e Gregory agia mesmo como um irmão mais velho, sempre pronto a proteger e defender o irmão caçula.

Naquele verão Domi e Greg viveram dias maravilhosos. Dominic fez coisas que nunca havia feito antes e Gregory repetiu coisas que já havia feito, mas com um sabor especial, pois Domi era muito especial pra ele, seu jeito diferente e delicado o instigava a mostrar pra ele um mundo que Domi desconhecia e isso lhe era fascinante e delicioso. Juntos eles pescaram, andaram à cavalo, tomaram banho de lama, dormiram na mesma cama, comeram sonho de creme... Até que chegou o dia da despedida.

Os dois se abraçaram forte e Dominic chorou. Gregory engoliu o choro e prometeu ao amigo que as férias de inverno ele passaria em sua casa e até lá se falariam por telefone e por carta. Ao ver o amigo entrar no carro e bater a porta, um rio de lágrimas deságuou pelo rosto de Dominic. Na estrada, dentro do carro, em silêncio uma lágrima verteu dos olhos de Gregory, não quis chorar na frente de Dominic, pois queria sempre parecer forte diante dele e demonstrar segurança de que os dois se reencontrariam em breve.

Naquele mesmo ano Dominic e sua família mudaram para outro estado. Domi perdeu contato com Greg e os dois nunca mais se viram. O tempo passou e das lembranças mais ternas de Dominic, ele nunca esqueceu o verão de 1992. Depois daquele verão e com a mudança, tornou-se mais forte, seguro, senhor de si. Cresceu e apareceu, formou-se em artes, saiu de casa, trabalhou muito, apaixonou-se por muitos homens, traiu, foi traído, abandonou, foi abandonado, sofreu, caiu e levantou. Até que um belo dia, no causticante verão de 2010, uma solicitação de amigo no orkut o pega deliciosamente de surpresa, como uma lufada de ar fresco inesperado. Um tal de Gregory, bastante diferente de 18 anos atrás, mas ainda inesquecível.

Solicitação aceita, trataram imediatamente de marcar um encontro e redescobrirem-se. Gregory estaria de passagem por alguns dias à trabalho na cidade de Dominic e este fez questão hospedá-lo em seu apartamento. Depois da euforia e emoção do primeiro reencontro os amigos de infância trataram de colocar todos os 18 anos de distanciamento em dia. Gregory contou que estava péssimo passando por um processo de divórcio e que já tinha uma filha com a ex-mulher, uma garotinha de 7 anos. Dominic falou de seu trabalho, seus romances, que estava só, curtindo uma dor de cotovelo. Os dois beberam cerveja, comeram pizza, assistiram filme, jogaram baralho, relembraram àquele verão e o quanto um foi importante na vida do outro. Depois, já bêbados de sono, Dominic cedeu sua cama de casal para Gregory e foi dormir no sofá da sala, sob protestos de Greg que dizia que os dois poderiam dormir juntos na cama como nos velhos tempos. Mas Domi sabia que era melhor não, Greg estava mais lindo do que nunca e só ele sabia os sentimentos que tinha nutrido todos esses anos pelo amigo querido. Já que Gregory se reconhecia como heterossexual, não estragaria um amor tão puro com um deslize sexual regado à algumas doses à mais de álcool.

Cada um recolheu-se então à sua cama e sofá. Gregory caiu num sono pesado e Dominic teve dificuldades pra dormir, o grande amor de sua vida estava à poucos metros de distância e ele não podia fazer nada pra consumar esse amor, quando conseguiu dormir teve uma noite repleta de sonhos.

Na manhã do dia seguinte, Dominic acordou cedo, queria dar uma passada na padaria e preparar um belíssimo café. Ligou o rádio e foi até o quarto, Gregory ainda dormia profundamente, Domi mal acreditava em seus olhos, parecia uma miragem, aquele garoto de 11 anos e meio havia se tornado um homem deslumbrante e o destino que quis que voltassem a ficar de novo tão próximos. Chegou perto da cama, ajoelhou-se no colchão, aproximou-se ao rosto de Greg, sentiu sua respiração profunda, a quentura de sua pele pressionada sobre o travesseiro branco de cetim e quase recostou seus lábios no dele roubando assim um beijo, mas recuou. Deu-lhe um suave beijo na face de barba cerrada e se afastou, decidiu que não confundiria as coisas, amaria Gregory como sempre amou, o melhor amigo de toda uma vida.

Ao se aproximar da porta para ir até a padaria, ouviu no rádio um trecho da canção de Djavan:

" O que há dentro do meu coração
Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer

E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro
Que ainda nem sabe a força que tem
É teu e de mais ninguém"