quarta-feira, 25 de maio de 2011

LIBERDADE PARA AS BORBOLETAS - PARTE FINAL

Semanas após aquele fim de semana na capital, Rodolfo preparou uma grande surpresa para Yuri. Como recompensa pela conclusão do curso de espanhol os dois viajariam para Buenos Aires em uma espécie de lua-de-mel. Yuri entrou em estado de êxtase, mal podia se conter, era emoção demais e por demais inacreditável para o garoto simples de beira de praia que viajaria pra fora do Brasil. E Rodolfo se deliciava testemunhando a felicidade quase incontrolável de seu amado menino.

Alguns dias depois já em terras argentinas Rodolfo e Yuri comemoravam 1 ano de namoro e nunca foram tão felizes. Entre hermanos, tangos e media-lunas, visitaram parques, museus, livrarias e restaurantes maravilhosos e se amaram, se amaram intensamente. Foram 4 dias de sonho até a volta pra casa, ao botarem os pés no apartamento um convite enviado pelo correio endereçado a Rodolfo, amigo antigo convidando-o pro aniversário em boate badalada na capital. Como de costume Yuri ficou animadíssimo com a ideia de uma festa na capital e Rodolfo nem tanto, mas achou que seria a oportunidade perfeita de rever velhos amigos e de quebra apresentar Yuri e pagar a promessa que havia feito de levá-lo em uma balada.

Exato um mês depois do convite oficial, Rodolfo e Yuri adentraram a pista da badaladíssima festa de aniversário, ambos estavam lindos, mas Yuri estava especialmente deslumbrante e inebriado com lugar, era tudo muito mais incrível do que ele imaginava, a música, as luzes, os garçons, as drag-queens, a decoração, as pessoas, o clima como um todo. Rodolfo não queria parecer pegajoso nem inseguro mas logo na entrada percebeu os olhares de cobiça e admiração em cima de Yuri e aquilo lhe enchia de orgulho por estar ao lado de um dos homens mais lindos da festa e ao mesmo tempo um medo insuportável de perdê-lo pra sempre. Rodolfo conhecia aquele mundo muito bem e sabia que as feras famintas estavam sempre a espreita preparadas pra dar o bote em carnes frescas, e para todos ali Yuri não passava disso, um belo espécime de carne fresca passeando incauto e ingênuo entre as feras famintas, precisava protegê-lo mas sem sufocá-lo. Assim fez as devidas apresentações sempre apreensivo e com certo desconforto e assim passou a noite toda num canto da boate observando Yuri interagir com as pessoas, dançar, gargalhar e só se aproximava do namorado quando ele acenava chamando-o pra perto de si. Rodolfo ouviu todos os tipos de elogios deirecionados a Yuri, todos os amigos e conhecidos estavam encantados com o belo rapaz, a essa altura já devidamente lapidado por ele e completamente inserido naquele contexto de glamour e cobiça.

No retorno pra casa enquanto Rodolfo dirigia sério em silêncio, Yuri não conseguia parar de falar e gesticular e contar empolgadamente todas as impressões que tivera daquela noite impressionante. Rodolfo só sorria com o canto de boca e balançava suavemente a cabeça como que a concordar com o fascínio de Yuri, mas o ar preocupado não desaparecia de seu semblante. Já no apartamento Yuri comentou que Rodolfo parecia chateado com algo.

- Aconteceu alguma coisa Rudy? Você parece chateado, preocupado com alguma coisa. Não gostou da festa, tá se sentindo mal? Foi alguma coisa que eu fiz ou disse?

Carinhosamente, passando a mão suave na nuca de Yuri, Rodolfo respondeu.

- Não aconteceu nada meu amor, eu só tô cansado, essas festas não fazem mais a minha cabeça. Mas se você se divertiu e gostou tanto é o que importa, eu fico feliz por você.

Deitaram ambos exaustos, mas mal conseguiram dormir, Yuri com uma alegria incontida pela noite que tivera, Rodolfo com uma desagradável sensação de perda.

Os dias que se seguiram apresentaram a Rodolfo um Yuri diferente, ainda que sutilmente, mais confiante, seguro de si e descolado. Sem sombra de dúvidas aquela festa e aquelas pessoas surtiram visível efeito em seu diamante recém lapidado e isso o enchia de dúvidas e angústias. Yuri continuava carinhoso e apaixonado, mas dentro de Rodolfo a certeza daquele amor havia mudado.

Certo dia arrumando roupas e objetos Rodolfo encontrou entre as coisas o cartão de uma agência de modelos e perguntou a Yuri do que se tratava. Sem dar muita importância Yuri explicou que tinha recebido de um cara na noite da festa, mas não havia levado muito a sério a proposta para ver umas fotos e acabou largando o cartão em qualquer lugar. Rodolfo ficou pensativo por alguns instantes procurando coragem para dizer o que seu coração não queria mas o bom senso pediu.

- Você devia ligar para ele Yuri, é uma oportunidade e tanto. Eu conheço essa agência, é uma agência ótima, séria, exporta modelos belíssimos pro exterior. Eu vou ligar pra você.

- Não Rodolfo, eu não quero. Você ficou louco, escutou o que você acabou de dizer, trabalhar no exterior, ir embora pra fora do Brasil, pra longe de você, nem pensar!
Dizendo isso saiu e Rodolfo permaneceu calado e pensativo olhando as paredes brancas do apartamento.

Poucos dias mais tarde Yuri recebeu um telefonema da agência que havia provocado o pequeno mal estar entre ele e Rodolfo e mesmo não interessado em nenhuma proposta ouviu pacientemente do outro lado da linha. O agenciador insistiu pra que Yuri aceitasse sua proposta, e era mesmo uma proposta tentadora, mesmo sem fazer testes, nem fotos, Yuri já começaria como modelo principal de uma marca de tênis, uma campanha grande e um cachê melhor ainda. Yuri ficou balançado, sentou com Rodolfo, contou todos os detalhes da proposta de trabalho, expôs seu desejo de aceitar, ms também o medo de ficar longe dele, pois teria de viajar e ficar um tempo na capital.

Com a serenidade de sua maturidade e experiência de vida, Rodolfo fez Yuri entender que para ele seria insuportável ficar tantos dias sem vê-lo, mas que boas oportunidades não podiam ser desperdiçadas e que logo eles estariam juntos de novoe o reencontro seria incrivelmente especial, sem contar que ele começaria a ter seu próprio dinheiro, conquistaria a independência financeira, amadureceria como ser humano e estaria mais seguro e inteiro na relação. Enquanto Rodolfo falava lágrimas vertiam pelo rosto de Yuri. Rodolfo apertou num abraço forte o rosto de Yuri contra seu peito e enxugou suas lágrimas na camiseta cinza de algodão. Ficaram assim entrelaçados um no outro por um longo tempo, acabaram adormecendo no sofá.



No carro rumo à capital Yuri não disfarçava o nervosismo, Rodolfo tentava acalmá-lo com palavras tranquilizadoras, mas conseguiu imaginar o que o garoto de beira de praia, um dia ignorante, estava sentindo prestes a iniciar uma promissora carreira de modelo. Era uma loucura como a vida dele havia mudado tanto em tão pouco tempo e isso também mexia com ele de uma forma muito particular, era como se estivesse perdendo seu menino, seu pequeno tesouro, um tesouro que descobriu sozinho e que muitos agora teriam acesso.

Chegando em seu destino Yuri despediu-se de Rodolfo com um longo e apaixonado beijo e promessas de telefonemas todos os dias.



O tempo passou, Rodolfo e Yuri se viam muito menos mas com muito mais intensidade. Yuri tornara-se um disputado rosto em campanhas publicitárias e às vezes até nas passarelas, sua carreira deslanchara, precisou mudar-se de vez pra São Paulo, quando conseguia uma brecha na agenda encontrava-se com Rodolfo na praia, quando não, era Rodolfo que ia ao seu encontro. Ambos sentiam falata de estar mais tempo juntos, mas a vida havia mudado, principalmente a de Yuri, e a rotina de Rodolfo tornou-se entediante sem seu menino numa praia quase deserta. Às vezes Rodolfo chorava silencioso abraçado ao travesseiro de Yuri, mas o que era ruim poderia ficar pior.

Certo fim de semana Yuri foi ao encontro de Rodolfo. Levou flores, bombons, vinho e um brilho triste no olhar, que Rodolfo percebeu no ato ao abrir a porta pro amado. Sem trocar palavras beijaram-se como se fosse o último suspiro, se embriagaram de vinho, dançaram nus de rosto colado no meio da sala sob o tapete macio de pele de carneiro e se amaram ardente e desesperadamente, depois se amaram de novo serena e suavemente, devagar e em silêncio.



De manhã Rodolfo acordou Yuri com café na cama e fez a pergunta que não queria calar.

- Yuri, nós já tivemos noites e dias e tardes maravilhosos mas essa noite foi mais que especial, foi indescritível. Me responde sem rodeios, essa noite foi uma despedida?



- Surgiu uma nova proposta Rodolfo e eu aceitei. Trabalho em Nova York, eu embarco em quatro dias.

-Nova York? Dentro de quatro dias? Você não me disse nada antes por quê? A gente só tem quatro dias Yuri depois eu não vou te ver mais. Por quê você fez isso, por quê?!



Rodolfo sentia um desespero que não conseguia controlar, enquanto Yuri tentava explicar em vão. Sufocado pelo desespero de perder seu amor, Rodolfo saiu batendo a porta deixando Yuri sem reação ainda na cama.

Rodolfo correu de pijama pela areia da praia até cansar. Exausto de correr e chorar sentou-se na areia úmida e olhou pro mar na esperança de que ele o acalmasse e o fizesse aceitar mais uma perda. De repente sentiu uma mão quente tocar seu ombro.



- Vem comigo meu amor, tá frio aqui.

Yuri o envolveu em seus braços e levou-o de volta pra casa. Conversaram longamente sobre tudo. Yuri esclareceu todos os detalhes da mudança e contou que em um ano estaria de volta. Yuri insistiu para que Rodolfo o levasse até o aeroporto, mas este alegou que detestava despedida e aquela só prolongaria seu sofrimento. Despediram-se então na portaria do prédio mesmo, Yuri entrou no táxi e o coração de Rodolfo em pedaços tinha a certeza que jamais o veria novamente.



A vida seguiu seu rumo, os primeiros meses sem Yuri foi quase insuportável pra Rodolfo, mas aos poucos ele foi se acostumando. Às vezes em datas especiais recebia um postal de Yuri, mas a cada correspondência sentia-o mais distante, menos seu.

De vez em quando Rodolfo caminhava à beira mar e lembrava o dia em que conheceu Yuri, nesses momentos alternava entre lágrimas e risos, e assim entre suas recordações do passado percebeu um carro preto com os vidros fumê seguindo-o, resolveu tomar satisfações e foi em direção ao veículo. O carro parou, a porta se abriu e Yuri saiu dele lindo como um deus, Rodolfo demorou alguns minutos para reconhecê-lo todo vestido de negro e óculos escuros, quando o reconheceu mal podia acreditar no que seus olhos via.



- Yuri é você?

- Viu como eu evoluí, a primeira vez te persegui com uma bicicleta velha, agora já tenho um carro razoável. Quer dar uma volta comigo?



- Você disse que voltaria em um ano, mas já passou mais que isso, eu achei que nunca mais te veria.

- O contrato foi renovado por mais cinco meses, mas eu nunca tive dúvida de que voltaria pra você e vou voltar sempre porquê você é o amor da minha vida.



Rodolfo sorriu o sorriso mais feliz de toda a sua vida, beijou Yuri escandalosamente, entrou no carro e enquanto Yuri dirigia e falava sobre tudo entendeu que ele não era mais seu diamante mas uma borboleta colorida e livre que poderia voar o mais alto e longe possível porque sempre voltaria pro seu jardim, pois também era o amor de sua vida.





FIM

sexta-feira, 13 de maio de 2011

LIBERDADE PARA AS BORBOLETAS - PARTE 2

Rodolfo tentou resistir o quanto pôde, mas a paixão por Yuri estabeleceu-se de forma inevitável em sua vida.

A primeira noite de amor foi intensa e vigorosa, Yuri era um verdadeiro vulcão em erupção, uma força da natureza e despertou em Rodolfo sensações incríveis já à algum tempo quase esquecidas. O cara mais velho, mais experiente e completamente seguro de si, sentia-se agora desarmado, frágil, mas protegido, aninhado nos braços do garoto simples e rude do interior.

Depois daquela noite Rodolfo e Yuri não se desgrudaram mais. Yuri passava mais tempo no apartamento de Rodolfo do que em sua própria casa. Até que um belo dia por ideia de Rodolfo, mudou-se de vez para lá.

De vez em quando Yuri fazia alguns bicos como ajudante de pedreiro para que Rodolfo não pensasse que ele estava se aproveitando das mordomias que ele podia lhe proporcionar. Mas Rodolfo reconhecia o esforço do rapaz e decidiu que era hora de começar a lapidar o diamante bruto que tinha levado pra sua casa.

Rodolfo começou então uma verdadeira maratona. Matriculou o garoto em um cursinho supletivo para que concluísse o ensino médio e também em um curso de inglês e espanhol.

Embora obedecesse tudo o que Rodolfo o orientava a fazer, as vezes Yuri reclamava que aprender duas línguas diferentes ao mesmo tempo era muito complicado, no que Rodolfo sempre argumentava que ele ainda era muito jovem e estava com a cabeça bem fresca para aprender muitas coisas ao mesmo tempo. Yuri era mesmo muito esperto e aprendia tudo bastante rápido e conforme progredia nos estudos Rodolfo começava a repaginar seu visual.

Num certo fim de semana viajaram até a capital, o que deixou Yuri arrepiado de excitação, pois nunca havia saído de sua pequena cidade natal e lá Rodolfo levou-o no salão que costumava frequentar e depois de algumas horas o já belo Yuri começava a transformar-se num princípe. Estava agora com um corte de cabelo moderno, a pele limpa, sedosa, quase cintilante, músculos relaxados, sentiu como se caminhasse em nuvens. Do salão partiram pro shopping. No afã de deixar seu amado com a melhor casca possível, Rodolfo deu-lhe um banho de loja. De roupas e sapatos à acessórios e perfumes Yuri ganhou de tudo do bom e do melhor, Rodolfo não fez economia, sentia-se realizado e satisfeito de ver o homem que estava amando além de lindo, feliz. E Yuri estava não só feliz, mas fascinado e encantado com todo aquele admirável mundo novo que se desvelava bem diante de seus olhos. Encerraram o dia com uma sessão de cinema.

Enquanto jantavam, já no restaurante do hotel, Yuri comentou com Rodolfo um antigo desejo.

- O dia de hoje foi perfeito, acho até que depois da nossa primeira noite juntos foi o melhor dia da minha vida, mas tem mais uma coisa que queria te pedir

- Pede

- Eu queria sair pra dançar numa boate

- Numa boate?

-É, uma balada numa boate. Eu sempre tive vontade mas nunca fui em uma. Só vi em revistas e na TV. Dançar sob aquelas luzes coloridas no meio de um monte de gente bonita, eu sempre quis fazer isso. Me leva vai.

Rodolfo achou graça do desejo de Yuri, algo que ele mesmo já tinha feito tantas vezes e andava sem paciência nenhuma para voltar a fazê-lo. Frequentar baladas era coisa do passado em seus hábitos, mas ele compreendia a curiosidade do namorado que era só um garoto e conhecia quase nada da vida e continuaria sem conhecer se ele próprio não o tivesse introduzido em uma nova vida, mas aquela parte da vida noturna ele queria adiar o máximo possível, por isso apesar do apelo quase ingênuo de Yuri, Rodolfo achou por bem recusar seu pedido.

- Dessa vez é melhor não Yuri.

- Mas por que?

- Porque amanhã a gente pega a estrada cedo de volta pra casa.

- Mas não tem problema. A gente sai agora, ainda tá cedo, fica só um pouquinho, só pra eu ver como é, e amanhã a gente pega a estrada um pouco mais tarde, que tal?

- Meu querido, eu estou muito cansado, o dia foi exaustivo hoje. Eu sei que você não sente como eu, tá aí cheio de gás, mas eu não tenho mais 19 aninhos. O melhor que a gente tem a fazer agora é ir pro quarto e dormir o sono dos justos. Eu juro, prometo que da próxima vez que viermos pra cá eu te levo na melhor balada da cidade e você vai dançar sob as luzes coloridas a noite inteira.

Terminaram o jantar e se recolheram numa das melhores suítes do hotel. Rodolfo pegou no sono logo e Yuri insone, ficou assistindo filmes no DVD sem legendas para treinar o inglês. Lá pelas tantas, quase pegando no sono, abraçado e com a cabeça recostada ao peito de Rodolfo, Yuri murmurou as últimas palavras antes de cair em sono profundo.

- Eu te amo.