terça-feira, 14 de dezembro de 2010

LIBERDADE PARA AS BORBOLETAS - PARTE 1

Fazia pouco mais de um mês que Rodolfo tinha sido transferido da multinacional que trabalhava em São Paulo, para gerenciar uma filial recém inaugurada numa pequena cidade litorânea a alguns quilômetros de distância da capital.


Rodolfo estava numa fase tranquila e estável, exceto pela pequena crise dos trinta que se abateu sobre ele tão logo acabara de completar trinta e cinco anos. Isso ocorrera poucas semanas antes da transferência de emprego, de cidade, de vida. De repente sua vida deu um giro de 360 graus, mudou tudo e Rodolfo encarou as coisas de peito aberto, como uma nova oportunidade de recomeçar. Embora nunca tivesse se imaginado vivendo longe da paulicéia desvairada Rodolfo pensou que seria bom. Apesar da distância dos amigos e da vida social intensa que deixaria pra trás, também estaria deixando algumas tristezas e desilusões, como um longo relacionamento que havia acabado da maneira mais desastrosa possível e do qual ele ainda não havia se recuperado completamente, e para uma plena recuperação nada melhor que uma mudança radical. Novos ares, novas pessoas, a vida bem pertinho do mar, uma rotina novinha em folha. Rodolfo achou toda aquela história de promoção e transferência providencial.

Assim que se intalou no novo endereço, Rodolfo trocou as superlotadas academias de São Paulo por saudáveis caminhadas na areia da praia, onde de vez em quando podia parar para comtemplar o mar, as gaivotas, sentir a brisa no rosto e entre uma alongada e outra refletir sobre a brusca mudança em sua vida, em como tinha se tornado pacata e o quanto era agradável, apesar de em alguns momentos sentir um pouco de tédio, afinal desde que se entendia por gente ele era um homem urbano e cosmopolita até o último fio de cabelo, e se adaptar a pasmaceira de uma cidade com pouco mais de 50.000 habitantes não era assim tão fácil, mas estava indo bem.

Foi então que numa dessas caminhadas Rodolfo percebeu alguém numa bicicleta que parecia segui-lo à distância enquanto fazia seus exercícios na areia. Da primeira vez ignorou, na segunda ficou intrigado, na terceira encarou o homem tão furiosamente que este resolveu se aproximar e desfazer qualquer mal entendido. Rodolfo ficou receoso, não sabia o que pensar enquanto o rapaz caminhava em sua direção arrastando a bicicleta velha e enferrujada. Podia ser um delinquente, um psicopata ou quem sabe alguém interessado nele, de todas as opções a última era a que lhe causava mais arrepios. Preferia ser assaltado em plena luz do dia a beira-mar do que se envolver com alguém naquele momento de sua vida, mas fosse o que fosse o mistério estava pra acabar naquele instante.

O rapaz que aparentava ser bem jovem vestia um abrigo surrado, tênis velhos e boné de campanha eleitoral, apesar da aparência desleixada tinha um rosto bonito, Rodolfo reparou bem nisso, assim como nos profundos olhos verdes do rapaz, que meio tímido apresentou-se, disse que se chamava Yuri e que tinha reparado que Rodolfo era novo na cidade e queria conhecê-lo melhor, mas ficou sem jeito de chegar de cara e passou a observá-lo durante suas caminhandas. Notando que o rapaz era inofensivo e um tanto quanto ingênuo Rodolfo não quis ser rude, mas foi direto. Pediu que o garoto não o seguisse mais porque se sentia desconfortável e que não estava interessado em conhecer pessoas naquele momento. Decidiu correr o mais depressa que pôde de Yuri, deixando-o ali parado com ar perplexo e decepcionado.

Com o passar dos dias Rodolfo não conseguia tirar Yuri da cabeça, o rapaz havia parado de observá-lo durante seus exercícios na praia desde o dia em que tentou aquela frustrada aproximação e Rodolfo percebeu que sentia falta dos furtivos e distantes olhares do simplório rapaz. Até que num final de tarde qualquer, enquanto voltava caminhando pra casa após mais um dia de trabalho, Rodolfo foi surpreendido por Yuri aproximando-se sorrateiramente com sua inseparável bicicleta. O garoto o cumprimentou timidamente perguntando-lhe se ainda se lembrava dele. Rodolfo quase não conseguiu disfarçar um discreto sorriso, estava contente em vê-lo de novo, e desta vez foi mais receptivo ao rapaz. Conversaram um pouco até que decidiram tomar alguma coisa. Sentaram num bar e entre uma cerveja e outra conversaram amenidades. Enquanto Yuri falava com seu jeito rude e simples, Rodolfo percebia ali um diamante bruto pronto pra ser lapidado. Ficaram longas horas na mesa do bar e conforme a conversa avançava Yuri contava com muita naturalidade e nenhum aparente ressentimento a vida difícil que vivia ao lado mãe relapsa que nunca se preocupou muito com seus estudos e seu bem-estar. Apesar da maneira rústica e desleixada com que falava, como se aquilo não o afetasse, Rodolfo não conseguia deixar de se enternecer com a história triste daquele garoto de dezenove anos, de belo rosto que poderia ter grandes oportunidades se bem direcionado.

As horas passaram voando e ao ver que o bar começava a fechar as portas Rodolfo tomou a iniciativa de pagar a conta e se retirar. Na saída Yuri ofereceu-se para ir com Rodolfo até seu apartamento, mas este recusou prontamente a possibilidade. Prometeu a seu mais novo amigo que em outra oportunidade o convidaria para ouvir umas músicas e tomar um vinho em seu apartamento, mas não seria naquele dia. Yuri insistiu mais um pouco, mas Rodolfo foi firme em sua postura. Sabia muito bem o que o garoto queria e naquele momento isto ainda estava fora de cogitação. Nos últimos meses, Rodolfo não tinha nenhum interesse por sexo sua libido andava bem em baixa desde pouco antes do fim de seu último relacionamento, o que o fazia pensar que este seria um dos motivos da separação que lhe deixou marcas profundas de dor e tristeza.

Despediram-se então com um suave aperto de mão e foram para lados opostos. Sozinho no quarto à meia-luz, refestelado em sua enorme king-size Rodolfo pensava em Yuri e todas as possibilidades que ele poderia trazer a sua vida. Sentiu um desejo incontrolável de ajudá-lo, de transformá-lo, só não poderia se apaixonar de jeito nenhum,era o que repetia em seus pensamentos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

CORES VERDADEIRAS


Música é essencial pra vida, pra minha pelo menos, e quando a música é boa de verdade o tempo passa, surgem novas versões e interpretações, mas a emoção que nos provoca permanece intacta. Esse é o caso de True Colors, canção dos anos 80 composta e gravada pela minha amada e ícone pop Cyndi Lauper.


Escutei True Colors pela primeira vez na voz de Phil Collins, já na sua segunda versão, no final dos anos 90 e me apaixonei por aquela interpretação masculina e sedutora. Mas quando descobri, pouco tempo depois a legítima dona das tais cores verdadeiras fui irremediavelmente arrebatado por toda a força e delicadeza da diva absoluta de uma época.


Agora, mais de 20 anos depois de sua versão original, True Colors volta com alguns toques de modernidade mas tão emocionante quanto antes. Uma inacreditável e surpreendente Alessandra Maestrini assume os vocais e consegue mais uma vez tocar no ponto exato da emoção, provando que quando as cores são verdadeiras os sentimentos são imortais.



Link do vídeo com Alessandra Maestrini:http://www.youtube.com/watch?v=8w1eszbtg5g




sábado, 2 de outubro de 2010

SOUFLÊ DE QUEIJO

por Luís Fernando Veríssimo


Jorge conta a Marta que convidou seu novo chefe para jantar.

- Eu falei do meu souflê de queijo e ele se interessou.

- Você falou no seu souflê de queijo assim, sem mais nem menos?

- Não. Não lembro qual era o assunto. Nós estávamos numa reunião e, de repente se falou em souflês.

- Que estranho, não é uma firma de corretagem? Vocês falam muito em souflês nas reuniões?

- Não interessa. O fato é que ele vem jantar aqui. Aceitou na hora.

- Quando?

- Amanhã.

Na noite seguinte:

- Você vai usar esse vestido?

- Por quê?

- Usa aquele teu preto, o decotado.

- Ó, Jorge! Quié isso?

- Você fica muito bem naquele vestido, e eu quero que ele veja como a minha mulher é bonita.

- Você quer que ele veja os meus peitos, é isso?

- Não, Marta. É pra, sei lá. Combinar com o jantar. Com as velas, com o souflê...

- Este vestido está bom.

- Marta. Por favor.

- Não sei que diferença vão fazer os meus peitos.

Jorge, depois de um suspiro de impaciência:

- Marta, acho que você não se deu conta da importância desse jantar. Pra mim. Pra nós. Ele é o novo chefe. Está num período de avaliação da equipe. Tem gente que vai pra rua. Ele é quem decide. Está entendendo? Eu posso ir pra rua.

- Se ele não gostar do seu souflê?

- Não, Marta! Mas ele aceitar vir provar meu souflê é um sinal de que quer me conhecer melhor. Podemos ficar amigos. Esse jantar pode decidir a nossa vida, Marta. Preciso que você faça a sua parte.

- Mostrando os peitos...

- E não só isso.

- Não só isso, Jorge?!

- Marta, chegou a hora de saber o que você está disposta a fazer por mim. Pela minha carreira. Pelo nosso futuro. Por nós.

- Como assim?

- Você sabe que eu tenho que ficar na cozinha quando o souflê estiver ficando quase pronto. Os últimos minutos são cruciais para um souflê de queijo não passar do ponto. E você vai ficar sozinha com ele na sala. Marta...

- Jorge, você é que está passando do ponto.

- Marta, isso não é hora de pensar em fidelidade, em moral, em mais nada. É hora de pensar no meu emprego e na nossa renda. É hora de você pensar nas prestações do seu cartão de crédito, Marta!

- Mas...

- Vá botar o vestido decotado!

Chega o novo chefe para jantar.

- Marta, este é o Ciro. Ciro, esta é a Marta, minha mulher.

É evidente a surpresa na cara de Ciro

- Sua mulher?

- É.

- Eu não sabia que você era casado.

- Sou, sou. E bem casado.

- Prazer - diz Ciro, estendendo uma mão lânguida para Marta apertar. A decepção substituiu a surpresa no seu rosto.

Mais tarde, na cozinha, onde entrou para buscar o gelo, Marta comenta com Jorge, que acaba de colocar o souflê no forno:

- Acho que ele está a fim é de você, Jorge.

- Nem brincando, Marta.

- Chegou a hora de saber o que você está disposto a fazer pela sua carreira. Pelo nosso futuro. Por nós, Jorge.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

NÃO É UMA HISTÓRIA DE AMOR?


O filme 500 DIAS COM ELA começa com o seguinte aviso: "Esta não é uma história de amor." Afirmação da qual discordo completamente.


O filme narra a relação nada convencional entre Tom e Summer. Os dois são jovens, bonitos e cheios de vida. Tom se apaixona perdidamente por Summer, Summer não se apaixona. Eles se envolvem, fazem amor, passam momentos especiais juntos. Mas o que para Tom é um romance arrebatador, para Summer não passa de uma agradável amizade colorida. E assim o filme apresenta-se como uma não história de amor, justamente pelo fato da mocinha não corresponder ao amor do rapaz, que sofre feito um condenado por não ter seu sentimento correspondido.


Eis aí uma grande contradição, pois o filme é sim uma história de amor. Uma triste e aflitiva história de amor não correspondido, uma via de mão única, como são todos os amores não correspondidos.


É a história do amor de Tom, um amor forte, puro, sincero, doloroso, marcante e não recíproco, como tantos amores que sentimos pela vida à fora.


É injusto dizer a alguém que amou profundamente outra pessoa, que ela não viveu uma história de amor porque a outra pessoa não a amava. Histórias de amor não são necessáriamente aquelas vividas por duas pessoas que se amam com a mesma intensidade. Histórias de amor não podem ser rotuladas.


Tudo isso é pra dizer que já faz um tempo que assisti esse filme e o equívocado aviso inicial me deixou contrariado, pois tenho uma extensa lista de amores platônicos e vivi todos eles com toda a intensidade que cada um merecia. Amores que me fizeram chorar, sonhar, suspirar, que me inspiraram, que fizeram meu coração pulsar mais acelerado, que me fizeram tremer, me deixaram com borboletas no estômago e me tornaram mais humano.


Não me relacionei fisicamente com muitas pessoas, mas posso afirmar sem hesitação que não amei todos os que beijei e não beijei todos os que amei. Diferente de Tom que ainda se perdeu em gozos nos braços de sua amada, nenhum de meus avassaladores amores foi consumado, e por isso, talvez, tenha sofrido menos que ele, ou será o contrário?


Não importa. O importante em toda essa história, é que nós, os que amamos sem ser amados, que não tivemos nossos amores correspondidos, que afundamos a cara no travesseiro em prantos ouvindo MPB e sofremos o diabo, não podemos ter nossas histórias de amor menosprezadas.


No final das contas, ao menos a contraditória sentença no início do filme rendeu um post que não haveria se a frase fosse mais coerente, como: "Esta é uma história de amor não correspondido." Mas talvez o filme perdesse boa parte de seu charme. Enfim, divagações, mas se você ainda não viu o filme já sabe, talvez deteste a linda mocinha, pode achá-la uma boa bisca ou uma grandissíssima filha-da-puta, mas com certeza vai se identificar horrores porque amor não correspondido não há quem não tenha sentido.

terça-feira, 20 de julho de 2010

MEU BEM QUERER É SEGREDO, É SAGRADO...

Não, eu não vou contar pra ninguém. Não quero compartilhar isso com quem quer que seja. Serei completamente egoísta. Quero que seja algo só nosso. Nosso mais precioso segredo, escondido como se fosse um pequeno delito, resguardado como um valioso brilhante.

O tempo custou a nos dar essa chance. Seguimos nos amando distantes, afastados do cheiro, do toque, da troca. Sem olhos nos olhos, sem respiração ofegante, suspiros e coração descompassado. Tudo o que tínhamos era o desejo inabalável e a projeção de um amor perfeito. Até o paralisante momento desse reencontro que nos deixou com a boca seca, os olhos inundados, as mãos úmidas e o corpo inteiro arrepiado de ternura.

Inútil verbalizar. Impossível traduzir essas sensações tão minhas, tão tuas, tão nossas.

Definitivamente não, ninguém tem que saber. Não vou mudar de status no orkut, nem colocar carinha feliz no MSN com legenda do tipo "amando", "completamente apaixonado" ou "namorando", muito menos twittar sobre isso.

Nosso amor não merece ser manchado pela inveja de olhos cobiçosos e mentes maldosas. Precisa ser preservado como um delicado camafeu. O que a gente tem agora é sagrado e é só nosso. Nossos planos, nossos momentos, nosso êxtase, nossa intimidade, nosso felicidade, nosso amor. E DE MAIS NINGUÉM.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - UM DIA MUITO ESPECIAL (6)

Numa tarde de um dia qualquer do ano de 1997, enquanto zapeava pelos canais da net, deparei-me com um filme italiano de 1977. Comecei a assisti-lo despretenciosamente e fui pouco a pouco sendo envolvido por uma delicada história de amor e amizade.

Em UM DIA MUITO ESPECIAL o ano é 1938, Sophia Loren e Marcello Mastroianni munidos de uma química sempre perfeita dão vida aos solitários Antonietta e Gabrielle. Ela, uma mulher casada, mãe de 4 filhos, que todo dia faz tudo sempre igual, acorda antes de todos prepara o café-da-manhã, serve a família e se despede com um beijo nos filhos que vão pra escola e um seco tchau do marido fascista que a negligencia. Em mais um dia aparentemente igual a todos os outros o passarinho de Antonietta, sua única companhia em dias tão vazios, foge da gaiola por descuido e é ao ir atrás dele que conhece seu vizinho Gabrielle, pois o pássaro pousa em sua janela. Ele, um radialista desempregado por ser homossexual e depressivo, vive sozinho em um pequeno e aconchegante apartamento.


Daí em diante acompanhamos o que seria um dia muito especial na vida de ambos. É primavera e Roma celebra a visita de Adolph Hittler e Benito Mussolini, mas Gabrielle e Antonietta dois excluídos pela sociedade não estão muito preocupados com isso. O homem culto, charmoso e inteligente conduz a dona-de-casa simples, acostumada com a rotina inssossa de um casamento mecânico a um mundo novo e fascinante. Sem sair dos domínios de seu prédio, Gabrielle proporciona a Antonietta uma viagem inesquecível através de suas histórias, livros e discos.

Os dois vivenciam uma intensa relação humana, onde compartilham dramas e esperanças, a tal ponto da ingênua Antonietta acreditar-se apaixonada por seu encantador vizinho, mas descobrindo a homossexualidade de Gabrielle, entende que o sentimento que se estabelece entre eles é algo muito mais profundo que uma simples paixão.

Entre risos, lágrimas, reflexões e uma contra-dança Antonietta e Gabrielle descobrem a grandeza de um amor puro. E com essa história simples, porém carregado de subjetividade, desespero e doçura, aquela tarde de um dia qualquer do ano de 1997 tornou-se inesquecível e muito especial.


terça-feira, 6 de julho de 2010

CHEESECAKE DE FRUTAS VERMELHAS


A água quente do chuveiro escorria lentamente sobre o corpo lânguido dela embaçando os vidros e o espelho do banheiro. Envolveu-se num felpudo roupão branco de algodão. Enquanto escolhia a roupa que ia vestir, ouviu o canto do canário na varanda, esboçou um sorriso triste. Observou o clima do tempo pela janela do quarto, uma chuva muito fina, quase imperceptível, mas persistente, assim como a melancolia que habitava sua alma, caía lá fora. O céu estava cinza, mas de um cinza bonito, que dava o tom exato ao outono com suas folhas secas caídas ao chão.


Vestiu a capa creme de tecido sintético, botas de couro marrom de cano e saltos longos e sentou-se defronte ao espelho da penteadeira ocupada por cremes, perfumes e toda a natureza de produtos femininos. Prendeu os longos e lisos cabelos negros num coque displiscente deixando alguns fios soltos nas laterais do rosto. Aplicou uma maquiagem leve, sentiu-se bonita. Calçou as delicadas luvas brancas de seda, pegou o guarda-chuva cor-de-rosa e saiu exalando no ar o cheiro suavemente adocicado do perfume de frutas cítricas.


Era a primeira hora de uma tarde nublada de quarta-feira, fazia um frio ameno e aquela chuvinha continuava. A mulher meticulosamente vestida e produzida para uma ocasião especial desceu do táxi amarelo, adentrou o teatro, sentou-se sozinha em uma fileira de cadeiras vazias e durante as duas horas que se seguiram deixou que suas discretíssimas lágrimas lavassem sua alma amargurada enquanto assistia a ópera Madame Butterfly. Após o término do espetáculo retocou a maquiagem, atravessou a rua e entrou no shopping que ficava em frente ao teatro. Caminhou durante longos minutos comtemplando vitrines e pessoas, observava a tudo e todos cuidadosamente como se quisesse desvendar um grande segredo.


Entrou numa chocolateria, fechou os olhos, inspirou profundamente deixando que o aroma sublime da loja invadisse todos os seus sentidos. Doces eram sua perdição e após sair do transe olfativo no qual se deixou envolver pelo aroma dos diversos chocolates não se refreou em gastar uma pequena fortuna numa belíssima caixa de bombons suíços recheado com lícor de variados sabores.


Passeou pela imensa livraria. Adorava livros, comprou um grande e grosso de receitas, lindamente ilustrado e caro. Levou também um cd de boleros clássicos. Saindo do shopping com algumas sacolas, caminhou em direção ao parque, atravessou-o com o guarda-chuva aberto em uma das mãos e as sacolas em outra. Parou no meio do parque, olhou atentamente as árvores, a chuva fina que caía do céu cinza e afastou um pouco o guarda-chuva para que os miúdos pingos tocassem seu rosto. Seguindo seu destino, passou na locadora e alugou Bonequinha de Luxo, tinha veneração por aquele filme, por Audrey Hepburn e por Moon River.


Quase fim de tarde. Antes de voltar pra casa ainda passou no pet shop pra comprar o alpiste do canário e no mercado, onde comprou os ingrediente para uma receita do livro novo que tinha acabado de adquirir.


Já em casa, colocou o DVD pra rodar e deixou-se fascinar mais uma vez pelo charme eterno da bonequinha de luxo. Ao fim do filme decidiu que era hora de saborear a deliciosa receita do livro, um maravilhoso cheesecake de frutas vermelhas. Tudo o que fazia era com muito capricho e esmero. Preparou primeiro a massa, lavou as frutas, amoras, morangos e framboesas, picou-as e enquanto executava a receita ouvia o Bolero de Ravel. Com o cheesecake quase pronto, colocou água no fogo para o chá que o acompanharia e serviu alpiste para o canário.


O cheesecake de frutas vermelhas sobre a mesa era uma verdadeira obra de arte. Serviu-se de uma fumegante xícara de chá de hortelã e um generoso pedaço da torta. Tomou um gole do chá que aqueceu até a alma, com o cair da noite o frio havia aumentado e antes de saborear o primeiro pedaço da cheesecake, hesitou e pensou em tudo o que tinha feito, visto e sentido naquele dia. O banho quente e demorado que embaçou os vidros do banheiro; o canto do canário; a ópera; as pessoas no shopping; as vitrines lindamente montadas que enchiam os olhos; os aromas da chocolateria; o sabor do bombom suíço; os ares de requinte e sofisticação da imensa livraria; a beleza do parque numa tarde de outono; os pingos de chuva pousando mansamente em seu rosto; a escolha minuciosa das frutas no supermercado; o filme; o Bolero de Ravel, que ainda tocava e o preparo da cheesecake. Tudo naquele dia parecia um ritual sagrado e de certa forma era, havia algo de mágico em cada detalhe. Tudo havia sido meticulosamente preparado pra que fosse um dia perfeito e como tudo que é perfeito não se repete duas vezes mastigou lentamente um pedaço de sua obra de arte, saboreando cada pequena explosão de sabor no céu de sua boca. Enquanto deliciava-se com a torta o sorriso melancólico reapareceu em seus lábios, mas agora era também um sorriso de vitória. Tinha conseguido finalmente transformar seu último dia de vida num dia especial. Depois de uma vida inteira mergulhada em tristeza e amargura conseguiu enxergar a beleza das coisas, mesmo que por apenas algumas horas.


Começou a sentir dores insuportáveis, tombou a xícara de chá com a mão, espatifando-a em pedacinhos no chão, contorceu-se ao lado dos cacos de porcelana enquanto o veneno de rato que tinha comprado na pet shop junto com o alpiste e misturado a massa da cheesecake de frutas vermelhas, fazia efeito.

sábado, 26 de junho de 2010

PRA DIZER ADEUS

Para Murilo

Podíamos deixar que o tempo passasse, sábio e sorrateiro, e levasse de arrasto tudo o que ficou em suspenso, as explicações, as "DRs", as palavras muitas vezes tão desnecessárias. Você com sua natureza prática e fria certamente preferiria assim, mas eu não consigo, queria fazer algo formal, que esclarecesse em definitivo o fim dessa amizade, e sabe por que? Simplesmente porque essa solene despedida nada mais é do que uma carinhosa homenagem aos bons amigos que fomos, a tudo o que vivemos juntos, a como foi bom enquanto durou. Você que tantas vezes foi citado aqui neste blog como o amigo querido e especial, seria irônico se não fosse mencionado uma última vez como alguém realmente relevante, que sai de cena na história da minha vida, mas deixa deliciosas recordações.

Por que se acaba uma amizade?

Amizades são pra sempre, dizem alguns, e por muito tempo desejei e acreditei ardentemente que isso fosse verdade. Mas a vida se encarregou de me fazer entender que amizades inatingíveis são pra uns poucos felizardos, o que resta pra grande maioria dos pobres mortais são amizades ocasionais que duram por um tempo e depois se desfaz, assim como a nossa. Amizade datada, que no íntimo sabe-se que um dia vai acabar, só não se sabe quando. E enquanto dura é tão maravilhoso que deseja-se que seja eterno, mas quando se põe o coração de lado e pensasse com a razão entende-se que nesse insano mundo comtemporâneo o pra sempre, sempre acaba.

Mas por que a nossa amizade acabou?

Divergências? Falta de afinidade? Distância? Mágoas?

Nenhuma das alternativas anteriores.

Divergências resolve-se com diálogos e dialogar, falar, tagarelar era o que mais fazíamos. As vezes o silêncio fazia-se necessário, mas até sem palavras nos entendíamos.

Falta de afinidade quase não tínhamos, apesar de muito diferentes. Mas nossas diferenças é que dava o tempero exato na nossa amizade.

Distância nunca foi problema pra nós, ainda mais com todas as alternativas tecnológicas disponíveis.

Mágoas não as tenho. Você tem alguma?

Então por que? O que nos impede de continuar uma bonita e sólida amizade?

Pura e completa falta de interesse de ambas as partes. Deixou de ser bonita e prazerosa, deixou de ser especial, tornando-se apenas mais uma. Foi deteriorada pelo tempo. E chegamos nun ponto de lucidez em que insistir, remendar, reciclar não nos interessa mais. Preferimos ficar apenas com as lembranças boas dos primeiros dias, dos primeiros meses, do primeiro ano. Da cidade de Porto Alegre, que vai ser sempre nosso canto especial no mundo; das festas; das tardes no gasômetro, na redenção; dos filmes; dos conselhos; das confidências; dos barzinhos; dos desabafos; dos amigos em comum; do dinheiro contado; das risadas; dos deboches; dos planos; das implicâncias e da admiração mútua, porque sem ela uma amizade não dura nem 24 horas e a nossa foi muito além disso, compartilhamos dois invernos e duas primaveras.

E que tudo isso dure pra sempre, sem rancores e sem mágoas.

Talvez um dia nos encontremos novamente, mas até aqui adeus!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DE MÁRIO QUINTANA PRA MIM


Relendo antigos poemas esquecidos na estante, um achado. Como se alguém que te conhece melhor do que você mesmo tivesse escrito especialmente pra você. O poema de Mário Quintana chamado BOLA DE CRISTAL



A praça, o coreto, o quiosque,

as primeiras leituras, os primeiros

versos

e aquelas paixões sem fim...

Todo um mundo submerso,

com suas vozes, seus passos, seus silêncios

- ai que saudade mim!

Deixo-te, pobre menino, aí sozinho...

Que bom que nunca me viste

como te estou vendo agora

- e é melhor que seja assim...

Deixo-te

com os teus sonhos de outrora, os teus livros queridos

e aquelas paixões sem fim!

e a praça... o coreto... o quiosque

onde compravas revistas

Sonha, menino triste...

Sonha...

- só o teu sonho é que existe.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

DIREITO DE SOFRER

Um homem com uma dor é muito mais elegante? No filme DIREITO DE AMAR a resposta é sim.
Em seu primeiro longa, o diretor Tom Ford nos entrega uma história impecável, ao menos estéticamente. Tudo em DIREITO DE AMAR, da geladeira da cozinha ao abajur do quarto; dos acessórios ao figurino; dos tons pastéis e rosados da fotografia aos fascinantes closes, é uma perfeição nos mínimos detalhes.

O elenco, encabeçado pelo sempre charmoso Colin Firth, é pura exuberância. Julianne Moore, com seus belos olhos verdes, meticulosamente maquiados à perfeição egípcia; Ginnifer Goodwin, como uma pacata e simpática dona-de-casa, vizinha do protagonista; a novata Aline Weber, modelo brasileira que é praticamente um clone de Brigitte Bardot em seus áureos tempos de ninfeta, não diz uma palavra, mas inebria a todos com sua estonteante beleza e seus olhar fulminante; e Matthew Goode como o doce e amável companheiro de Colin, exalam uma graciosidade que nos faz submergir em uma história pouco original, mas profundamente sensível.

Acompanha-se então, as supostas últimas 24 horas de um homem que acorda decidido a tirar a própria vida. Na pele de George Falconer, um sofisticado professor universitário, Colin Firth nos envolve em uma dilacerante, porém discreta dor, ao traduzir em uma delicada interpretação, todo o sofrimento de um homem que perde seu companheiro, com quem viveu por 16 anos, num trágico acidente, sem ter ao menos o direito de viver seu luto publicamente, em plena década de 60.

O estilista Tom Ford, estreante atrás das câmeras, fez um filme bonito e sutil. Infelizmente, porém, tanto esmero estético, parece mais um artifício para distrair a atenção de uma trama pouco consistente. Ainda assim, eu gostei e recomendo. Para pessoas de bom gosto, com olhar apurado e alma sensível.

Resumindo o filme em apenas uma frase, tirada do próprio: "Ás vezes, até nas coisas mais horrorosas, há um ponto de beleza."


segunda-feira, 17 de maio de 2010

DICA DE FILME

Cerca de 2 meses atrás, ao conferir a programação de cinema no jornal à procura dos horários de algum filme do Oscar, me deparei com a sinopse de um filme que nunca tinha ouvido falar, por não ter tido nenhuma divulgação em mídia. Achei a sinopse interessante e resolvi conferir.Eu que estou sempre garimpando novidades, não me decepcionei. Ao contrário fiquei apaixonado.

O filme Á MODA DA CASA é uma comédia rasgada e deliciosa, com algumas pitadas de drama. Fazia muito tempo que um filme cômico não me arrancava tantas gargalhadas. Dei muitas risadas, daquelas fortes, de perder o fôlego e os olhos lacrimejarem.


O filme espanhol do diretor Nacho G. Velilla, atende pelo título original de FUERA DE CARTA e conta a história de Maxxi, um chef de cozinha meio histérico, dono de um elegante restaurante, obcecado para ganhar uma estrela no guia Michellin e muito bem resolvido com sua homossexualidade. Até a morte inesperadamente de uma ex-mulher, que lhe deixa um casal de filhos para criar, o adolescente e rebelde Edu e a pequena e esperta Alba, frutos de um casamento equivocado. Para entornar ainda mais o caldo, Maxxi inicia um romance com seu novo vizinho, um ex-jogador de futebol enrustido, por quem a tresloucada maître de seu restaurante e melhor amiga se apaixona e tenta seduzir à qualquer custo, sem nem sonhar com o caso dos dois.


O filme com todos os ingredientes de um dramalhão mexicano, como já mencionei tem apenas pitadas desse gênero, pois te deixa com dores no estõmago de tanto rir. Claro que é tudo meio exagerado, pintado com cores fortes, bem ao estilo latino-europeu. Mas tudo funciona à perfeição, interpretações, produção, direção, é tudo ótimo. Com um elenco de atores espanhóis bastante expressivo capitaneado pelo magnífico Javier Cámara (o enfermeiro Benigno de FALE COM ELA) não poderia ser diferente. Javier, aliás, ganhou o festival de Málaga 2009 como melhor ator por este filme. Prêmio super merecido. Em diversos momentos do filme, Javier, com seus trejeitos e histerismos me lembrou Tony Ramos em SE EU FOSSE VOCÊ. O tom de humor da película, também lembra bastante as hilárias novelas de Sílvio de Abreu da década de 80 CAMBALACHO e SASSARICANDO. Enfim, um prato cheio pra quem quer simplesmente desopilar o fígado. Corra até a locadora mais próxima, sirva-se e delicie-se!!!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ESSA TAL FELICIDADE

"A felicidade não existe, mas um dia acaba." (Danuza Leão)





Como diria Tim Maia, já rodei todo esse mundo procurando encontrar...

Procurei de todas as formas, em todos os lugares, em dezenas de pessoas, dentro de mim, mas a tal felicidade quando aparecia escapava rápido demais.

Cansado da interminável e frustrante procura pela permanente felicidade, resolvi esquecer, desencanar, parar de garimpar essa sensação de bem-estar e realização pessoal plena que todos buscam e almejam tão obstinadamente.

Fiz então, uma retirada estratégica do mundo insano, que me obrigava a encontrar a felicidade à qualquer custo, e mergulhei na simplicidade de um lugar pacato, pequeno e silencioso, onde não tem quase nada, mas tem o mar, a areia branca, as garças e as gaivotas que sobrevoam sobre mim enquanto descubro, observando o vai e vem das ondas mansas, que interromper as buscas, parar de querer encontrar a felicidade, pode ser a chave para tê-la. O desprendimento, não precisar da felicidade para ser feliz, essa é a verdadeira plenitude afinal.

Abaixo um texto de Martha Medeiros, uma visão poética e libertadora dessa tal felicidade:




FELIZ POR NADA

Geralmente quando uma pessoa exclama "Estou tão feliz!", é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Digamos: feliz porque maio recém começou e temos longos oito meses para fazer de 2010 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou. Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.
Esquece. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo?
Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. "Faça isso, faça aquilo". A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando "realizado", também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar a sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir?
A vida não é um quastionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato preferido, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.

quinta-feira, 18 de março de 2010

DO LUXO AO LIXO MUSICAL



Vamos falar de música?


Este post à princípio era pra falar sobre Lady Gaga. Sobre os motivos que me fazem gostar tanto dela. Visto que logo no início, quando ela começou a despontar na mídia, me parecia mais uma cantorazinha ao estilo Britney Spears, ávida por se tornar mais uma polemista de quinta, disposta a disputar o cargo de substituta oficial de Madonna. O que me fez repeli-la num primeiro momento, pois detesto tipinhos como os de Britney, que não cantam porra nenhuma e só conseguem chamar a atenção com letras pra lá de apelativas e coreografias que mais parecem posições do kamasutra, usando uma sensualidade forçada e requentada, que já não funciona mais.



Pois bem, depois de alguns meses e após a primeira entrevista de Lady Gaga à uma emissora de tv brasileira, comecei a prestar mais atenção na moça e percebi que seu estilo exagerado, chocante e por muitas vezes bizarro era muito mais do que uma simples estratégia de marketing para chamar a atenção da mídia e vender milhões de discos. Por trás de tanto glitter, roupas espalhafatosas e maquiagens nada convencionais está Stefani Joanne Angelina Germanotta, uma jovem de 23 anos, inteligente, sensível e consciente, uma artista nata, que escreve suas próprias letras, monta seus próprios figurinos e suas coreografias. E apesar do discurso clichê sobre a declarada identificação com gays, que parece ter se tornado obrigatório a qualquer artista pop que deseja fazer sucesso nas pistas de dança, a identificação é realmente verdadeira.



Lady Gaga sempre se sentiu diferente, dentro de um mundo que não era seu. Então resolveu criar seu próprio mundo e mesmo sendo de família rica, foi à luta sozinha sem o apoio dos familiares e conseguiu expressar da forma mais visceral e colorida possível toda sua essência, bem ao estilo gay de ser, com letras provocativas, voz forte, coreografias poderosas e muito glamour. Lady Gaga é puro luxo e eu adoro.



Mas como avisei no início, o post que era pra ser apenas sobre Lady Gaga e seu trabalho que admiro, acabou virando um post sobre música e seus intérpretes, o que presta e o que não presta, o que meus ouvidos e merecem e apreciam e o que não.



Enquanto pensava e elaborava essa crônica, meus sentidos foram invandidos durante as últimas semanas por duas "pérolas" do nosso atual cancioneiro brasileiro, essas musiquinhas de carnaval que explodem durante os fatídicos 5 dias de folia em fevereiro e a maioria da população brasileira de "muito bom gosto" adora e se esbalda. Aí as bandas que fizeram tremendo sucesso na festa de Momo, começam a invadir os mais "sofisticados" programas da tv brasileira: Domingão do Faustão, Superpop, Domingo Legal, Programa do Gugu e seus derivados.



Curiosos pra saber quais são as duas "maravilhosas" canções que invadiram meu dia-a-dia nas últimas semanas? Primeiro uma letra bem "sutil", que narra a história de Chapeuzinho Vermelho com o seguinte refrão: "vou te comer, vou te comer, vou te comer, vou te comer". Será uma letra muito apelativa em pleno efervescente carnaval de Salvador? Nããããããão, imagina!!! não tem nenhum duplo sentido, apenas uma letra ingênua pra divertir as crianças no carnaval. O pior de tudo, foi ver essa banda chamada O Báck no programa da ilustríssima Luciana Gimenez, tentando convencer a si próprios de que iriam sobreviver a efêmera festa da carne. No palco, além dos seis rapazes com cara de recém saídos da adolescência, gabando-se por terem sido apadrinhandos por Ivete Sangalo, estavam duas modelos que foram rainhas, madrinhas ou sei lá o que do carnaval e um crítico musical voraz e impiedoso que me deleitou com suas opiniões venenosas e extremamente verdadeiras sobre o grupo e sua "encantadora" canção.



Depois do tal programa da Lu, os rapazes parecem ter tomado chá de sumiço mesmo, como profetizou o tal crítico, que disse que em dois meses ou menos ninguém mais ouviria falar neles. Mas eis que surge na mídia, logo em seguida, pra não nos deixar esquecer que a lixeira musical brasileira pode ser inesgotável, o "sensacional" Rebolation. Liderado por um negrão sarado e tatuado, que provavelmente estará em breve nas páginas da G Magazine, o grupo Parangolé conta ainda com umas 5 ou 6 dançarinas vestidas de odaliscas eu acho (não dá pra identificar direito que roupa é aquela), que se requebram atrás do gostosão enquanto "o rebolation, o rebolation, o rebolantion tion, o rebolation" é executado. Mais um grande candidato ao grammy da cafonice e do mau gosto. O Rebolation realmente caiu na boca do povo, por enquanto até agora está firme e forte por aí. Só na mesma semana personagens da novela Cama de gato e do humorístico Zorra Total cantarolaram seu refrão. O que me consola é que o grupo lembra bastante o praticamente esquecido Harmonia do Samba, se seguir o memso caminho que ele pra mim já está de bom tamanho.



Mas graças a Deus, ainda existem coisas que fazem meus ouvidos e meu coração felizes nesse país tão rico de artistas realmente talentosos e pouco conhecidos. Artistas como o mineiro Vander Lee. O cantor de 44 anos, tem um estilo que lembra Djavan e Chico César, é também compositor. Em suas letras fala de acontecimentos da vida cotidiana, e sempre com um lado romântico, fala de amor. Já gravou com grandes nomes da MPB como Zeca Baleiro, Elza Soares, Rita Ribeiro, Emilinha Borba, Leila Pinheiro e Nando Reis. Recentemente compôs a música Estrela que foi gravada pela cantora Maria Bethânia. Mas minhas músicas preferidas dele são Esperando aviões e Onde Deus possa me ouvir. Ouça e deixe sua alma fascianada e encantada.











domingo, 14 de março de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO (5)

Após 15 anos na prisão por ter assassinado o próprio filho, um garotinho de 5 anos, Julliete conquista novamente a liberdade. Quem vai buscá-la na prisão é a irmã mais nova, Léa, única família que lhe restou. Léa leva Julliete pra sua casa, com uma família estruturada, Léa mora com o marido, as dua filhas e o sogro e acolhe Julliete em seu lar com todo o carinho.

Todo o tempo existe uma preocupação da parte de Léa, em ser agradável com a irmã, puxando conversa, revelando o quanto sentiu sua falta, deixando-a à vontade, mas com o cuidado de não tocar em assuntos constrangedores, porém Julliete é seca e suscinta. Fala o mínimo possível, não consegue nunca sorrir e através dos profundos olhos verdes demonstra toda a amargura contida, uma tristeza intransponível.

Em HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO, viájasse por um universo de emoções dilacerantes. São aquelas emoções que por mais que você tente, por mais que se verbalize, nunca vão parar de sufocar. Julliete matou o próprio filho, pagou pelo crime, a irmã não entende, mas a ama e tenta demonstrar todo esse amor da forma mais doce possível, afinal sua irmã já pagou o que devia à sociedade, mas existirá sempre o ponto de interrogação, por que? Eis aí o amor incondicional.


Julliete, apesar da aparência abatida, logo no primeiro momento já parece forte e confirma isso no decorrer da trama através de sua postura firme e elegante. É uma mulher inteligente, bonita, culta, envolvente. Mas por que essa mulher tão interessante cometeu um crime tão abominável? Os sentimentos se confundem. Será mesmo que ela fez isso, será que foi um acidente, será ela uma psicótica-neurastênica que tirou a vida do filho num acesso de loucura, será que armaram pra que ela fosse presa acusada desse crime, e pela dor de perder um filho tão precocemente ela aceitou pagar sem resistências por um crime que não cometeu?


Será os sentimentos de Léa tão puros e incondicionais quanto ela demonstra ser? Por quanto tempo uma pessoa fica aprisionada à uma culpa tão devastadora? Com o passar do tempo Julliete vai deixando de lado a dura cerviz e dando lugar a uma mulher mais desarmada, abrindo a guarda sutilmente, mas os fantasmas do passado sempre pairam no ar. Julliete têm dificuldade em se envolver amorosamente, sente necessidade de amor, mas o pavor de que descubram o que passou a paralisa.


Julliete consegue aos poucos, com muito esforço voltar a viver, ganha um emprego, conquista a confiança do cunhado que a princípio não a enxerga com bons ohos dentro de sua casa, interage socialmente, monta um apartamento, curte os pequenos prazeres da vida como passeios no parque, a leitura de bons livros e visita a museus e finalmente nos entrega um sorriso.


O filme lindamente dirigido pelo estreante Philippe Claudel e estrelado por uma fascinante e enigmática Kristin Scott Thomas além de uma belíssima fotografia e produção impecável, culmina na emocionante revelação de Julliete para a irmã Léa, do verdadeiro motivo de seu crime, ao som de uma deslumbrante música francesa, que até então eu desconhecia, na interpretação do cantor Jean Louis Aubert. Depois de uma profunda viagem emocional termina com chave de ouro ao som de versos como estes:


" Na fonte clara eu fui passear
Encontrei a água tão suja que eu teria chorado
Há muito tempo que tudo desaba
Jamais sobreviverei
Sobre o mais alto galho, um pássaro depenado
Chora oh rouxinol, chora
Você não pode mais voar... "


Abaixo os links com o clip da música e o trailler do filme:




quarta-feira, 10 de março de 2010

SELO


Dedico este selo ao blog http://ultramuito.blogspot.com/, que é ultramuito bacana, inteligente, bem escrito, leve, dinâmico, delicioso. Eu provei e recomendo. Agradeço também à Fábio e Fernanda, os proprietários, por dedicarem tempo e carinho escrevendo textos tão especiais.

terça-feira, 9 de março de 2010

UM AMOR PURO

"Um amor puro não sabe a força que tem..."
(Djavan)





Dominic e Gregory se conheceram no início da adolescência. Dominic tinha 11 e Gregory 11 e meio, como fazia questão de ressaltar. Foi no verão de 1992, Dominic não imaginava, mas aquele verão mudaria todo o resto de sua vida, sua visão de mundo, um sopro de esperança como uma lufada de vento fresco num dia tórrido de calor.

Domi, como era carinhosamente chamado pelos pais, era diferente dos outros garotos. Um pouco mais sensível, um pouco mais delicado, um pouco menos masculino. Educadinho demais, como diziam alguns adultos, bichinha demais, como diziam alguns filhos desses mesmos adultos. Realmente, Domi era cheio das feminices, gostava de bonecas e ficar na companhia de meninas. Na escola era achincalhado, principalmente e em sua grande maioria pelos garotos. Crianças são verdadeiramente muito cruéis e quando o alvo dessa crueldade era Dominic, o repertório de ofensas e humilhações era extenso.

A escola foi por muito tempo na vida de Domi um tormento, por muitas vezes os pais tinham que comparecer a instituição para interceder por ele, conversar com alguns alunos perseguidores, solicitar a professores e diretores que protegessem mais seu filho de tantos ataques. Apesar de tantos desafios Dominic erguia a cabeça e seguia em frente, tentando ignorar os que lhe afligiam dor gratuita e maldosa. Ele era um menino alegre e só queria ser feliz do jeitinho que era. Tinha vontade às vezes de ficar com os meninos, conhecer melhor o universo deles, que era diferente do seu, mas eles não deixavam nem que se aproximasse, sua viadagem poderia ser contagiosa.

Domi sofria, chorava e sonhava em silêncio com o dia em que todos o aceitariam, e todos o amariam e descobririam a pessoa maravilhosa que ele era. Ele só queria ser amado. Sabia que era amado pelos pais, mas queria mais. Queria ser amado pelos professores, pelos colegas, pelos vizinhos, se sentir querido ao invés de rejeitado e afrontado todo o tempo.

Quando ia com os pais na casa de amigos com filhos da mesma idade que a sua, sabia que se não tivesse uma menina na casa, ficaria num canto sozinho vendo os meninos brincarem ou então ao lado da mãe o tempo todo. Mas pra não ouvir o detestável comentário: "...mas esse menino não larga da barra da saia da mãe", preferia sair de perto dela e ficar sozinho num canto mesmo. Os meninos eram um mistério pra ele, um mistério intrigante e fascinante que ele tinha muita vontade de desvendar, e o faria se não se sentisse tão intimidado com suas agressividades.

Mas eis que surge o dia em que Dominic conhece Gregory. De férias, na praia com a família, montando seu castelo de areia, Dominic sente uma sombra tampando o sol sobre suas costas, quando vira a cabeça pra ver quem é, enxerga um bonito garoto de sunga azul com desenhos de ondas e cabelos negros. O garoto é Gregory que com uma voz um pouco mais grave que a de Dominic pergunta se pode ajudá-lo a construir o castelo. Domi fica surpreso com a aproximação do garoto e aceita a companhia. Logo os pais de Gregory aparecem apresentando-se aos pais de Dominic e ali tem início uma nova amizade. Os pais de Gregory contam que moram na capital e estão de férias na praia, que Greg é filho único, mas bastante desinibido e extrovertido, puxa assunto e faz amizades com várias crianças por onde passa. Os pais de Dominic convidam os de Gregory para um jantar e concretizam a amizade entre eles e seus filhos.

Os dias se passam e com eles aumenta o encantamento de Dominic por Gregory. Greg é bonito, atencioso, divertido, inteligente, gosta de sua companhia e não o rejeita. Dominic sempre sonhou, mas nunca acreditou que conheceria um garoto assim um dia. Gregory era a personificação de tudo o que Dominic havia desejado em silêncio durante todos os seus dias, meses e anos de tormento. Sentia-se forte e protegido ao lado dele e Gregory agia mesmo como um irmão mais velho, sempre pronto a proteger e defender o irmão caçula.

Naquele verão Domi e Greg viveram dias maravilhosos. Dominic fez coisas que nunca havia feito antes e Gregory repetiu coisas que já havia feito, mas com um sabor especial, pois Domi era muito especial pra ele, seu jeito diferente e delicado o instigava a mostrar pra ele um mundo que Domi desconhecia e isso lhe era fascinante e delicioso. Juntos eles pescaram, andaram à cavalo, tomaram banho de lama, dormiram na mesma cama, comeram sonho de creme... Até que chegou o dia da despedida.

Os dois se abraçaram forte e Dominic chorou. Gregory engoliu o choro e prometeu ao amigo que as férias de inverno ele passaria em sua casa e até lá se falariam por telefone e por carta. Ao ver o amigo entrar no carro e bater a porta, um rio de lágrimas deságuou pelo rosto de Dominic. Na estrada, dentro do carro, em silêncio uma lágrima verteu dos olhos de Gregory, não quis chorar na frente de Dominic, pois queria sempre parecer forte diante dele e demonstrar segurança de que os dois se reencontrariam em breve.

Naquele mesmo ano Dominic e sua família mudaram para outro estado. Domi perdeu contato com Greg e os dois nunca mais se viram. O tempo passou e das lembranças mais ternas de Dominic, ele nunca esqueceu o verão de 1992. Depois daquele verão e com a mudança, tornou-se mais forte, seguro, senhor de si. Cresceu e apareceu, formou-se em artes, saiu de casa, trabalhou muito, apaixonou-se por muitos homens, traiu, foi traído, abandonou, foi abandonado, sofreu, caiu e levantou. Até que um belo dia, no causticante verão de 2010, uma solicitação de amigo no orkut o pega deliciosamente de surpresa, como uma lufada de ar fresco inesperado. Um tal de Gregory, bastante diferente de 18 anos atrás, mas ainda inesquecível.

Solicitação aceita, trataram imediatamente de marcar um encontro e redescobrirem-se. Gregory estaria de passagem por alguns dias à trabalho na cidade de Dominic e este fez questão hospedá-lo em seu apartamento. Depois da euforia e emoção do primeiro reencontro os amigos de infância trataram de colocar todos os 18 anos de distanciamento em dia. Gregory contou que estava péssimo passando por um processo de divórcio e que já tinha uma filha com a ex-mulher, uma garotinha de 7 anos. Dominic falou de seu trabalho, seus romances, que estava só, curtindo uma dor de cotovelo. Os dois beberam cerveja, comeram pizza, assistiram filme, jogaram baralho, relembraram àquele verão e o quanto um foi importante na vida do outro. Depois, já bêbados de sono, Dominic cedeu sua cama de casal para Gregory e foi dormir no sofá da sala, sob protestos de Greg que dizia que os dois poderiam dormir juntos na cama como nos velhos tempos. Mas Domi sabia que era melhor não, Greg estava mais lindo do que nunca e só ele sabia os sentimentos que tinha nutrido todos esses anos pelo amigo querido. Já que Gregory se reconhecia como heterossexual, não estragaria um amor tão puro com um deslize sexual regado à algumas doses à mais de álcool.

Cada um recolheu-se então à sua cama e sofá. Gregory caiu num sono pesado e Dominic teve dificuldades pra dormir, o grande amor de sua vida estava à poucos metros de distância e ele não podia fazer nada pra consumar esse amor, quando conseguiu dormir teve uma noite repleta de sonhos.

Na manhã do dia seguinte, Dominic acordou cedo, queria dar uma passada na padaria e preparar um belíssimo café. Ligou o rádio e foi até o quarto, Gregory ainda dormia profundamente, Domi mal acreditava em seus olhos, parecia uma miragem, aquele garoto de 11 anos e meio havia se tornado um homem deslumbrante e o destino que quis que voltassem a ficar de novo tão próximos. Chegou perto da cama, ajoelhou-se no colchão, aproximou-se ao rosto de Greg, sentiu sua respiração profunda, a quentura de sua pele pressionada sobre o travesseiro branco de cetim e quase recostou seus lábios no dele roubando assim um beijo, mas recuou. Deu-lhe um suave beijo na face de barba cerrada e se afastou, decidiu que não confundiria as coisas, amaria Gregory como sempre amou, o melhor amigo de toda uma vida.

Ao se aproximar da porta para ir até a padaria, ouviu no rádio um trecho da canção de Djavan:

" O que há dentro do meu coração
Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer

E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro
Que ainda nem sabe a força que tem
É teu e de mais ninguém"

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

DA SÉRIE: OS FILMES DA MINHA VIDA - TRÊS FORMAS DE AMAR (4)



A descoberta da sexualidade é sempre uma fase bastante marcante na vida de qualquer um, e quando essa descoberta vem acompanhada de uma história que explora muito mais do que o convencional papai-mamãe/homem-mulher, de maneira sensível, divertida e leve, expondo de forma verdadeira e franca o ser-humano e todas as suas possibilidades de amor, tudo se torna mais fácil ou menos conflitante.


O filme TRÊS FORMAS DE AMAR faz parte da minha vida exatamente por isso. Lançado em 1994, ele conta a insólita história de Alex, Stuart e Eddy. Alex é uma garota, que justamente por causa de seu nome unissex acaba vítima de um erro burocrático, tendo que dividir com os rapazes Stuart e Eddy o mesmo módulo em um alojamento universitário. A princípio Alex fica furiosa com o engano e tenta consertá-lo o mais rápido possível, mas não obtém sucesso. No decorrer da história as personalidades de cada um dos três vai se delineando e com a convivência cria-se um forte vínculo entre eles.


Alex é a garota descolada e moderna que segue todos os seus instintos e só faz o que tem vontade, Stuart é o cara que só pensa em sexo e se acha o macho mais gostoso e irresistível de todos e Eddy é o rapaz tímido e sensível, confuso em sua sexualidade, até conhecer seus novos colegas. Apesar da bonita amizade que surge entre eles, paira sempre no ar um clima de desejo erótico, entre toques, piadinhas e brincadeiras o triângulo se define da seguinte forma: Stuart desde o primeiro momento deseja Alex, que por sua vez se encanta pelo jeito doce e sensível de Eddy, que não demora a perceber-se completamente envolvido por Stuart.


Estabelece-se entre os três uma espécie de jogo para ver quem consegue levar quem pra cama primeiro. Depois de muitas tentativas, conflitos e discussões o triângulo culmina num belíssimo e excitante ménage à trois. Mas como tudo na vida tem consequências, eles têm de arcar com as suas após renderem-se as três formas de amar.


Tinha 14 anos quando vi esse filme em 1995 e marcou demais pela identificação com o personagem Eddy, vivido por Josh Charles. Pela primeira vez num filme um personagem vivia conflitos parecidos com os meus, mas não só por isso, o filme mostra cenas lindas como a do rio, em que eles tomam banho nus e trocam o primeiro beijo triplo. Os atores estavam no auge de seu frescor e vigor juvenil, e se entregaram de corpo e alma aos personagens, passando muita verdade. Esse é um detalhe interessante, o elenco: Lara Flynn Boyle (Alex), Stephen Baldwin (Stuart) e Josh Charles (Eddy) desapareceram de Hollywood. Sabe-se pouco sobre eles, com excessão de Stephen, que faz parte da famosa família Baldwin e atualmente é pastor de uma igreja. Provavelmente desistiu da carreira e está ganhando muito mais grana angariando fiéis pra sua igreja. Lara foi casada com Jack Nicholson e participou ultimamente de algums séries de televisão como ALLY McBEAL e Josh também participa esporádicamente de algumas séries televisivas sem grandes destaques. O que me leva a crer que TRÊS FORMAS DE AMAR também pode ter sido o filme da vida deles.




o beijo no rio

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O VOO DA ÁGUIA




Naquela manhã, Nina acordou no horário de sempre. Às 09:30 em ponto, abriu os olhos, e sabia que seu dia seria a mesma repetição de todos os dias anteriores dos últimos dois anos. Mas naquele dia, Nina estava especialmente esgotada, não queria levantar, escovar os dentes, tomar uma xícara de café preto, vestir a roupa, sair de casa, pegar o ônibus, chegar até o restaurante em que trabalhava, trocar a roupa pelo uniforme e servir das 11:00 até à meia-noite os mesmos clientes chatos e exigentes de sempre. Era sexta-feira e ela queria fazer algo diferente, já tinha perdido as contas de quanto tempo não tirava folga numa sexta-feira, nem num sábado, nem num domingo, ao contrário da maioria, para Nina fim de semana era sinônimo de trabalho dobrado. Apenas uma folga no meio da semana e um domingo de dois em dois meses, esse era o trato que havia feito com os patrões assim que chegou do interior desesperada por um emprego, a fim de concretizar todos os seus sonhos na cidade grande. Aceitou sem pestanejar a proposta, pois estava certa de que conseguiria com o tempo ganhar a simpatia e compreensão dos patrões e conciliar o trabalho com um cursinho pré-vestibular ou um curso de idiomas, estando dentro de alguns meses apta a conseguir um emprego menos sacrificante. Mas não foi o que aconteceu, quanto mais o tempo passava Nina se afundava no trabalho e mal conseguia tempo para respirar, era de casa pro trabalho, do trabalho pra casa e nada mais.


Encontro com amigos, sessões de cinema, teatro, baladas, viagens em finais de semana e feriados, nada disso fazia mais parte da vida de Nina. Encontrava até dificuldade para visitar a mãe viúva e sozinha, que tinha ficado na pequena cidade onde se criou. O dinheiro também era pouco, mal dava para pagar o aluguel do minúsculo quarto e sala em que morava, mandar algum pra mãe e guardar o restante para pagar os estudos assim que conseguisse encontrar tempo. Às vezes pensava em chutar o pau da barraca e pedir demissão do emprego, respirar um pouco, passear, usufruir todos os prazeres que uma grande metrópole pode oferecer e que ela desejava tanto, afinal não tinha mais vida própria, sentia-se uma escrava, enclausurada entre as quatro paredes daquele bendito restaurante. Mas quando vinha a vontade de jogar tudo pro alto, pensava na dificuldade de se conseguir um emprego e repetia para si mesma que precisava ser mais paciente e que as coisas iriam melhorar. Era bonita, inteligente, razoavelmente culta, tinha capacidade de conseguir algo melhor, ainda que sem um diploma nas mãos. Iria ser paciente e sair de seu emprego só depois de conquistar uma oportunidade melhor, não jogaria fora tanto trabalho duro para ficar de mãos abanando. Sim, seria paciente, suportaria por mais um tempo, aquele trabalho que sugava todas as suas energias.

Seis meses, um ano, um ano e meio, dois anos se passaram e nada melhorou. Nina levantou-se e ficou sentada na beira da cama, ligou o rádio, coisa que sempre fazia, pois adorava acordar com música. Respirou fundo, a ideia de enfrentar mais um dia como garçonete no restaurante parecia sufocar-lhe. Pensou que não suportaria, que já havia chegado em seu limite. Sentiu vontade de chorar, não queria ficar desempregada e ser obrigada a voltar pra sua cidade com o "rabo entre as pernas", como uma fracassada, que saiu da casa da mãe prometendo ganhar o mundo, conquistar sua independência e "deu com os burros n'água". Era assim que aquela gente fofoqueira ia falar, pois o passatempo preferido deles era falar da vida alheia. Não queria mais voltar, viver aquela vidinha medíocre de cidade provinciana novamente, não tolerava mais cidade pequena. Estava num impasse, o que era mais intolerável, continuar em seu abusivo emprego que exauria todas as sua forças para batalhar por algo melhor ou retornar como um fracasso total a casa de sua solitária mãe, que com certeza receberia-a de braços abertos, mas tendo que aguentar a maldade alheia dos moradores de sua minúscula cidade fazendo comentários e especulações nada agradáveis a seu respeito? Nina deu de ombros, de repente todo seu corpo amoleceu, pensar em todas aquelas possibilidades havia deixado-a tensa. Mesmo sentindo-se violentada, decidiu aprontar-se para mais um dia de trabalho.

Com a xícara de café na mão e já pronta para o trabalho, Nina aumentou o volume do rádio para escutar a mensagem do dia que sempre ouvia antes de sair. Eram sempre mensagens de ânimo, conforto, que falavam de amor, paz, esperança e faziam seu dia ficar mais leve, muitas vezes lhe dando uma injeção de ânimo pra segurar alguma barra. E justamente naquele dia ela precisava de algo especial, estava torcendo pra que as palavras do locutor lhe enchessem de força pra continuar, pra suportar quanto mais fosse necessário.

O locutor com sua voz firme e suave começou a falar sobre a águia. Neste conto uma águia pode viver até 75 anos, no entanto quando chega aos 40 ela já está velha demais para continuar voando, caçando e experimentando a liberdade como antes. Seu bico alongado e pontiagudo se curva apontando contra o peito, dificultando assim que se alimente, suas garras também já bastante frágeis impede que ela agarre sua comida e as penas já muito velhas e gastas não suportam mais grandes voos. Diante de tal quadro a águia tem apenas duas opções: a primeira é entrar num processo de auto-mutilação durante 150 dias, onde vai arrancar com o bico suas unhas e as penas e arrancar seu bico nas pedras, para que nasçam novos bico, unhas e penas e ela possa viver mais 35 anos como uma jovem ave. Como todo esse processo é muito doloroso e cansativo a segunda opção é ficar parada num canto qualquer até a morte, já que viver completamente debilitada, sem poder voar e se alimentar é impossível. A águia desta historinha escolhe a primeira opção, afasta-se para um lugar ermo e distante, começando assim seu processo de auto-mutilação, sofre com as dores, sangra, grita, mas depois de 150 dias está novamente bela e elegante, pronta para seu voo de renovação.

Ao término da mensagem Nina chorou copiosamente, mas não era um choro de tristeza, era um choro limpo, puro, um choro de renovação, porque naquele momento ela tinha decidido, assim como a águia do conto não ia ficar parada, impotente, esperando todas as suas energias serem sugadas até que não lhe restasse mais nem um sopro. Sabia que pagaria um preço alto por sua decisão, mas estava disposta a pagar. Nina queria continuar vivendo e voando.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

PEQUENO MONSTRO - PARTE FINAL

Última parte da crônica de Caio Fernando Abreu:





- Tu não quer convidar o Alex pra dar uma volta na praça e tomar um choppe no centro?
- Ficaram os três me olhando. Passei o dedo na calda do pêssego, e lambi bem devagar quando olhei pro primo Alex e convidei:
-Vamos?
Ele susteneou o olhar e disse que sim.


Azul, mas não era bem bem azul. Isso eu só vi na metade da primeira cerveja. Azul-escuro que clareava aos poucos, meio esbranquiçada nas partes em que encostava no corpo. Nos joelhos, na bunda, na frente onde roçava no volume do pau, atrás do fecho. Tinha fecho ecler que nem saia de mulher, em vez de botão igula a minha. Já tinha visto umas assim, mas em filmes de mocinho, e só umas poucas nuns caras meio metidos ali na praia mesmo. Dava um jeito especial na pessoa. Um jeito bonito, um jeito moderno. Eu não tinha falado quase nada, mas depois daquele gole de cerveja, tomei coragem e disse:
- Bacana a tua calça.
- É Lee - ele disse - Americana, importada.
- Onde a gente compra?
- Só de contrabando. Quer que te consiga uma?
Perguntei se era difícil. Ele disse que tinha jeito, conhecia um faixa em Porto Alegre. Depois falou que novinha não era tão legal, mas a gente podia desbotar com água sanitária no tanque. Melhor desbotar sozinha mesmo, só que levava tempo. Perguntei se a dele era desbotada de água sanitária ou de tempo. Ele estava distraído, não ouviu. Tirou o maço de Minister do bolso, perguntou se eu queria um. Falei que não, se o pai soubesse. Ele acendeu, jogou a fumaça pra cima, erguendo um pouco a cabeça. De novo, eu pensei no leão de ouro. Acho que eu estava ficando meio borracho com aquela cervaja toda, porque de repente fiquei de novo olhando sem conseguir parar o primo Alex sentado ali ao meu lado na mesinha da calçada do bar. Ele parecia enorme, ele parecia brilhante, ele parecia bonito. Sem fazer nenhum esforço pra parecer nada, ele não era exibido. Acho que ele nem sabia direito o jeito que ele era mesmo. Ficava ali sentado do meu lado como se fosse um cara comum, fumando, bebendo cerveja e rindo de vez em quando pra mim. Achei que todo mundo que passava, e nas outras mesas, ficava olhando pra ele e pensando: mas quem será esse moço? De repente me deu assim como uma vaidade daquelas pessoas todas estarem me vendo ali, ao lado dele, e aí aconteceu uma coisa maluca. Por um segundo parei de me sentir monstro.


Olhei para o meu braço na mesa. Meu braço um pouco fino demais, moreno de sol, mas parecia bonito também. Eu olhei a minha mão morena, quase sem pêlos, depois levei ela até o cabelo e pensei que podia deixar ele crescer um pouco, que nem o do primo Alex. E quando levei a mão desse jeito na cabeça, percebi que as minhas costas estavam muito curvadas para frente, como se eu quisesse sempre esconder do mundo alguma funda escondida no meu peito. Então forcei os ombros para trás, e não estava me sentindo nem um pouco monstro quando olhei de novo para o primo Alex e vi a lua cheia subindo por trás da cabeça dele e do telhado da taberna do Willy. O garçom chamou ele de senhor quando perguntou se queria outra cerveja. Ele tinha um jeito de quem sabe sentar num bar, aquele jeito que eu ia ter um dia. Ele perguntou se eu também queria, eu disse que sim, apesar de estar meio borracho. Ele encheu o meu copo até transbordar. Enquanto eu passavo o dedo na espuma, ele falou assim:

- A tia me contou que anda preocupada contigo. - Eu pensei: que saco, ela já andou enchendo os ouvidos dele. Agora vai ficar dando opinião, conselho e tudo. Mas ele não deixou eu dizer nada. Só falou: - Ela diz que acha que tu anda muito sozinho. Que tu não tem nenhum amigo.

Foi o que bastou. Quando ele falou isso - como num shazam! ao contrário, que ao invés do cara virar super, ficava ainda mais coió - eu comecei a me sentir monstro de novo. Coitado, coitado, coitado de mim, pensei. O meu olho ficou cheio de lágrima de pura pena de mim mesmo, todo troncho. Estava meio enjoado daquela cervajada toda, tive vontade de me levantar e dizer que ia embora já pra casa. Aí o primo Alex disse: - Eu sou teu amigo.

Parei outra vez de me sentir monstro. Nunca ninguém tinha me dito isso antes. Foi aí que as coisas começaram a acontecer muito depressa. Me deu vontade de rir, comecei a falar sem parar, ele começou a falar sem parar também no curso dele de medicina, nas coisas todas que ia estudar, umas coisas das cabeças das pessoas, de nome complicado, psico não sei o que, nuns livros duns caras de nomes complicados também, duns discos, duns filmes e disse que ia me dar umas coisas pra mim ler, pra mim ouvir, pra mim gostar. E eu fiquei pensando que não ia dar, porque eu ficava o ano todo lá naquele cafundó do Passo da Guanxuma e ele em Porto Alegre, e perigava então, até a gente não se ver nunca mais, e comecei a ficar triste. Aí ele contou, que a mãe tinha falado, que andava pensando em me mandar estudar em Porto Alegre. E primeiro me deu um baita cagaço, depois foi me vindo uma coragem boa e uma alegria no coração, ia ser que nem filme andar de bonde do centro até o tal Partenon, onde ele falou que morava, e eu ia lá todo domingo de tardezinha, ficava no quarto dele ouvindo na eletrola todos aqueles discos que ele falou que ia me mostrar. Eu com a minha calça Lee igualzinha a dele, no começo desbotada de água sanitária mesmo, depois do tempo, do sol, da chuva, e todo mundo olhava quando a gente entrava junto no cinema e falavam baixinho de um jeito diferente. Porque eu não era mais monstro, só porque a gente era bonito junto. Só por isso falavam e apontavam, eu e o primo Alex. Caminhando de tardezinha por uma praça ou uma calçada mesmo ali daquele lugar onde eu nunca tinha ido chamado Partenon. E Partenon era quase tão bonito e longe quanto Sumatra, Zanzibar, Uganda... E eu criei coragem e falei pra ele que queria ser músico, fazer rock que nem o do Elvis, que eu sabia de cor uns pedacinhos dumas músicas em inglês mesmo, e ele cantou rindo It's now or never, só um pedaço. Depois passou a mão no meu cabelo e disse que eu tinha que deixar um topete crescer pra cair na testa quando eu fizesse yeah remexendo as cadeiras, e só de sarro eu fiz yeah yeah yeah, e ele morreu de rir e eu morri de rir também. E ele pediu outra cerveja e eu acendi um cigarro e tossi, tossi e ele bateu nas minhas costas. As pessoas em volta olhavam, e ele começou a contar que depois de formado ia viajar de navio pelo mundo inteiro, e eu perguntei se Zanzibar também e ele morreu de rir de novo e disse que sim. Se eu queria ir junto com ele pra Zanzibar, lógico, eu disse, e fiquei imaginando tudo enquanto ele contava que ia ser um grande médico desses modernos que curam a cabeça dos outros pra deixar todo mundo feliz o tempo todo pra sempre sem nenhuma culpa, ele disse. Ele era tão bonito. Todo mundo em volta olhava, eu ria, ele ria, e a gente estava ficando cada vez mais bêbado, quando eu tentei levantar pra ir ao banheiro e quase caí em cima da mesa. Então ele me segurou peo braço, e rindo sem parar falou que tava na hora de ir embora, se não o pai e mãe iam ficar umas feras.

A gente só parou de rir no caminho da porta de casa até o quarto, pro pai e a mãe não acordarem. Passado de meia-noite, Alex viu no pulso. Ele acendeu a luz, se jogou na cama e continuou rindo. Eu fechei a porta, me joguei na cama e continuei rindo. Vezenquando a gente olhava um pro outro e ria mais ainda. Um tempão assim, feito dois mangolões. A barriga doía de tanto rir, eu falei que ia no banheiro mijar e já voltava. Demorei um pouco, parecia que tinha bebido um açude inteiro. Quando voltei, ele tinha tirado toda a roupa e estava deitado de costas na cama. Tu vai te gripar, pensei em dizer. Só pensei, em seguida vi que não tinha vento nem nada. E fui andando pra minha cama enquanto olhava pra calça Lee, a camisa banlon, o mocassim e a cueca dele, jogados no chão, sem saber direito o que fazer com a janela aberta, a lua cheia e o primo Alex completamente pelado na cama ao lado. Tentei não olhar pra ele, mas ele olhava bem pra mim quando falou estranho, como se o que quisesse dizer não fosse o que estava dizendo:
- Tá muito quente, tu não acha?
- É - Eu disse. E aí não consegui parar de olhar pra ele. Fui ficando meio descarado, e comecei a olhar mesmo, porque tinha vontade e era bom de olhar. Desci os olhos pelo peito dele, acompanhando aqueles pêlos que se amontoavam lá em cima, pouco embaixo do pescoço, em volta das mamiquinhas cor-de-rosa. Depois se estreitavam enquanto desciam pela barriga e ficavam assim um fiozinho crespo, até começarem a encrespar mais e a aumentar de novo no meio das pernas. Ele estava com as mãos no meio das pernas, lá onde os pêlos encrespavam mais.
- Eu te espiei dormindo hoje de tarde - contei.
- Eu vi - ele disse. - Eu não estava dormindo, eu estava batendo punheta.
Me deu um vermelhão. Desviei os olhos para o livro de Tarzan, o Invencível, na cabeceira. Em cima duma árvore, Tarzan apontava uma flecha para um bwana, falando com dois negros pigmeus na frente de uma barraca. E se ele disparar a flecha? pensei.
- Tu já esporrou? - ele perguntou.
- Não - eu disse - Nunca, nem sei como é que se faz.
-Quer que eu te ensine? - Estava rindo outra vez. Aquela cabeça de leão de ouro, dentes muito brancos.
- Quero - eu disse.

Ele tirou a mão do meio das pernas, bateu na cama ao lado dele e chamou:
- Senta aqui, eu te mostro como é. Tira a roupa e senta do meu lado.
Tirei, joguei no chão, em cima da roupa dele. Depois sentei na cama dele, só de cueca. Uma cueca feia, toda esbragalada, não era que nem a dele. Ele suava um pouco, o cheiro de suor misturava com o de um perfume que acho que era colônia de barba, mais o do jasmineiro entrando pela janela aberta. Eu podia ouvir o tum-tum do meu coração no peito. Ele estava bem perto de mim. Eu cruzei as pernas, de costas para ele, de frente para a janela.
- Vira pra cá - ele pediu.
Estendeu a mão, tocou no meu joelho. Fui virando, até ficar de frente pra ele. Ele sentou na cama, ficou de frente pra mim, cruzou as pernas também. Ele encostou uma das mãos na minha coxa, depois foi subindo e puxou devagarinho a minha cueca. Estendi a perna para que ele pudesse tirar e jogar no chão, em cima das roupas dele e das minhas. Agora eu também estava completamente nu. De pau tão duro quanto o dele, eu tinha visto. Ele não escondia, não era feio. Quase fiquei com vergonha, mas ele segurava os olhos dele bem dentro dos meus, sem sorrir, nem piscar. Ele levou a mão direita até o seu pau duro, enquanto com a mão esquerda pegava a minha mão direita e levava até o meu pau duro. Ele segurou meu braço, mexendo devagar para que eu movimentasse para cima e para baixo, que nem ele fazia. Ele era tão bonito. Ele se torceu e gemeu um pouco. Fechei os olhos: se sair reto daqui sempre em frente vou dar na África, pensei idiota. Aquela coisa querendo explodir vinha subindo de novo. Eu abri mais as pernas, joguei o corpo para a frente, ele chegou mais perto. Então pegou outra vez no meu braço, cuspiu na palma da mão e levou até o pau dele. Ele cuspiu na palma da mão dele e levou até o meu pau. Quente, molhado, rijo, macio. A cama rangia, eu cheguei ainda mais perto. Aquela coisa crescia dentro de mim feito louca de atar, como se o meu corpo fosse arrebentar e de dentro dele saísse balões, bandeirinhas coloridas de Santo Antonio, penduricalhos dourados de árvore de natal, confete e serpentina de carnaval, sei lá que mais. Mais depressa, ele disse. Mais depressa, vem junto. Parecia que a gente tava sozinhos só os dois num barco solto no mar no meio duma tempestade. Sumatra, Tantor Bukula, Nikima. Eu ia gritar alto quando aquela coisa começou a se juntar dentro de mim, feito uma onda que vai se armando lenge da praia, enquanto a gente espera que ela venha ali na beira, sem me importar nem um pouco que o pai e a mãe ouvissem, e a vizinhança toda e a cidade inteira acordassem. Ele chegou ainda mais perto, eu colei meu peito no peito dele. Ele afundou a boca na minha enquanto eu sentia a palma da minha mão aos poucos ficar molhada daquele fio de prata brilhante, que saía de dentro dele e sabia que de dentro de mim saía també um fio de prata molhado, brilhante, igual ao que saía de dentro dele.

-Vem comigo - ele chamou e eu fui.
Ele passou as mãos molhadas nas minha costas. Eu passei as mãos molhadas nas costas dele. Ele afastou a boca da minha, depois deitou a cabeça no meu ombro. Meu coração batia, batia, ele podia ouvir. O suor da gente se misturava. O coração dele batia, batia, escutei quando deitei a cabeça no seu ombro. Eu fiquei passando as mãos nas costas dele. Elas ficaram todas meladas da água de prata que ele tinha me ensinado a tirar de dentro de mim. Eu também não me importava de ficar melado da água dele. Nojo nenhum eu sentia. Ele passou a língua na curva do meu pescoço. Eu enrolei os dedos naquele triângulo de pêlos crespos na cintura dele. Não sei quanto tempo durou. Sei que de repente a gente se afastou e, olhando um pro outro, começamos a rir feito loucos outra vez.

Bem cedo, na manhã seguinte, fomos à praia juntos. Ele me ensinou a mergulhar e a boiar, eu apontei o horizonte e mostrei o caminho da África, das Índias. Depois do almoço, no forno quente do quarto coberto de zinco, ele me ensinou outros caminhos. Na hora de ir embora, de tardezinha, ajudei ele a arrumar suas roupas. Mas não fui até à rodoviária. Espiei da esquina, escondido. Depois corri pela calçada atrás do ônibus, até que ele saísse na janela e gritasse alguma coisa que não entendi direito. Parecia Zanzibar, Partenon, qualquer coisa assim. Ele ficou abanando até o ônibus fazer a curva, na polvadeira vermelha da estrada de Osório.

À noite, fiquei procurando umas músicas no rádio. Nem Gardel nem Elvis, encontrei Maysa, que o pai disse que eu não tinha idade para ouvir. Depravada, falou, e eu não sabia o que isso queria dizer. Na hora de dormir a mãe olhou bem pra mim e disse baixinho:
- Parece que tu está sentindo muita falta do Alex.
Eu falei que não, e não estava mentindo. Eu sabia que ele tinha ficado para sempre comigo. Ela foi dormir, apaguei o rádio. Sozinho na sala, em silêncio, eu não era mais monstro. Fiquei olhando minha mão magra, morena, quase sem pêlos. Eu sabia que o primo Alex tinha ficado para sempre comigo. Guardado bem aqui, na palma da minha mão.


FIM