domingo, 1 de novembro de 2009

A SOLIDÃO, ESSE CASTIGO

Duas da tarde de um sábado modorrento, muitas nuvens no céu e uma chuva fina e persistente o deixava quase depressivo.

Na pequena quitinete de paredes muito claras, levantou-se da cama com os cabelos desgrenhados e a cara inchada de tanto dormir. Jogou-se no sofá branco, respirou fundo, coçou a cabeça umas cinco vezes e resolveu lavar o rosto.

Na pia do banheiro parou alguns segundos diante do espelho e comtemplou sua imagem profundamente. Analisou os olhos, a boca, os dentes, o nariz, o cabelo, a pele, as marcas de expressão começando a aparecer. Sentiu um leve incômodo. Mas o que queria encontrar ali, diante de seu reflexo no espelho, era respostas sobre quem ele havia se transformado, se aquela imagem o satisfazia em algum ponto, de alguma forma. Sorriu um riso desanimado de canto de boca, secou o rosto com a toalha verde-água de babado bordada com a frase "mamãe te ama" e voltou ao sofá branco. Ficou ali imóvel por alguns longos minutos pensativo à escutar o barulho incessante da chuva.

Quase três da tarde, sentiu fome, foi até a geladeira e preparou um sanduíche de peito de peru com alface e tomate e um copo de achocolatado, comeu rápido e foi verificar se havia algum recado ou coisa parecida. Mexeu no celular, nenhum recado, nenhuma ligação não atendida. Entrou na internet, checou os e-mails, nada de novo além de uma enxurrada de propagandas e "ofertas imperdíveis" de diversos produtos, ninguém no msn. Leu um pouco do último livro que havia comprado á uma semana, mas não se deteve na leitura por mais de 20 minutos, jogou o livro num canto, nada parecia interessante naquela tarde cinza.

Resolveu escutar música. Espalhou todos os cd's pelo chão, sentou em posição de lótus e começou a escolher minuciosamente, seus álbuns preferidos, entre eles: Marina Lima, Bruce Springsteen, Pretenders, Legião Urbana, The Cranberries e Adriana Calcanhoto.

Enquanto Bruce com sua voz rouca e melancólica inundava todo o espaço, sua memória era inundada por lembranças e seu coração de ternura. Ao som de Streets of Philadelphia lembrou da sessão de cinema com o pai quando assistiu ao filme com Tom Hanks e Denzel Washington aos 12 anos de idade. Apesar dos pesares, o pai era um ótimo companheiro de sessões cinematográficas. Das boas recordações que tinha dele, uma delas era o gosto pela sétima arte, cultivado nele desde muito pequeno quando era levado para assistir filmes dos Trapalhões e da Disney.

Abriu o guarda-roupa, pegou um pequeno baú de madeira, marrom, um álbum de fotografias e trocou Bruce Springsteen por Legião Urbana. Sabia que quando pegava seu pequeno baú e seu álbum de fotos começaria uma longa e melancólica sessão-nostalgia, então suspirou fundo. Pensou que naquele momento cairia muito bem um vinho e lembrou que em algum lugar daquela casa tinha uma garrafa guardada. Após um tempinho encontrou, ainda embrulhada em papel de presente com motivos natalinos a garrafa dentro do forno. Desembrulhou. Vinho branco suave. Era perfeito, adorava vinho branco suave. Encheu a taça e voltou ao seu baú de recordações, agora estava devidamente preparado para a longa jornada passado a dentro que faria, munido de um sábado chuvoso e solitário, uma saudade dolorida e uma taça de vinho ao som de Giz.

Do baú de recordações saíam pequenos objetos repletos de histórias e lembranças do passado, coisas sem nenhum valor material mas de imenso valor sentimental. Lembranças de momentos felizes, marcantes, guardados com o cuidado de um grande tesouro: a embalagem de um bombom; a pétala seca de uma rosa; um cartão postal enviado da Europa por uma amiga querida; bilhetes de cinema de alguns filmes inesquecíveis; um pequeno anel que deixou de servir; cartas; bilhetes; poemas; o frasco vazio de um perfume inebriante que deixou sensações profundas...

O baú de recordações, aliado ao álbum de fotos, acompanhados do vinho, da chuva e da solidão, fizeram-no chorar copiosamente. Aos soluços ouviu o toque da campanhia, disfarçou as lágrimas e atendeu a porta. Do outro lado, a vizinha da frente.

A moça pediu um sacarrolhas emprestado, pois estava recebendo uns amigos para uma noite de queijos e vinhos e seu sacarrolhas havia desaparecido misteriosamente.

Emprestou o sacarrolhas, a vizinha agradeceu e virou as costas.

Fechou a porta atrás de si e ficou encostado nela, parado, sem mover um músculo, sentindo-se a criatura mais solitária e infeliz do mundo. As lágrimas voltaram a rolar por seu rosto e agora Marina cantava "eu espero acontecimentos mas quando anoitece é festa no outro apartamento..."

4 comentários:

Venusiana disse...

O toque final deixou o texto perfeito. É incrível como em situaçõs do tipo a música costuma nos falar.
Creio que todo mundo em algum momento já tenha se sentido só e eu sou assim constantemente. (Me identifiquei principalmente com o ato sadomasoquista de rever o passado já sabendo que isso me fará derramar algumas lágrimas)
PS: Gostei do blog.

=)

Venusiana disse...

http://mentesdementes.zip.net

LuEs disse...

Gostei bastante do texto. Há alguns pequenos erros de português e a escolha pelo itálico cansou um pouco a vista, mas de um modo geral, eu gostei bastante.
Curioso como a solidão quase sempre se relaciona a sensação nostálgica que sentimos ao nos lembrarmos da nossa infância.
Esse foi um aspecto muito bem abordado também. Ao citar as músicas, criou-se um efeito sonoro muito positivo, que faz com que o leitor pense que está ouvindo a música junto com o personagem.
Só apra constar: Tom Hanks está fabuloso em Filadélfia!
;)

eroticromanticvaniamara disse...

Como sabes, meu parecer será sempre dito pela emoção.Sou suspeita pra dizer mais uma vez que eu te vejo quase sempre como os próprios personagens, inclusive por que te conheço um pouco.
A viagem à infância,é um misterioso e surpreendente passeio,nunca se sabe como vai voltar de lá.