domingo, 29 de abril de 2012

O HOMEM DE 40 ANOS

Matéria publicada na revista H MAGAZINE de fevereiro/março de 2012 pelo colunista João Luiz Vieira

O homem que eu sempre quis ser ou ter perto de mim apareceu no fim de uma noite de ressaca. Não exatamente por causa de qualquer substância alienante ou reconfortante e, sim, depois de horas atravessadas por desilusões e olhares enviesados. Momentos depois de descobrir que novamente havia apostado no personagem errado. Pisquei para fora quando deveria mergulhar dentro de mim.

Uma das maiores e melhores surpresas na vida de um rapaz distraído é dar-se conta, mesmo ressacado e talvez por isso mesmo, que o que ele tanto procurava na vizinhança estava ali no quadrado de sua cama, enroscado nos lençóis, inserido nele como se em posição de coito. O homem que eu sempre quis ser ou ter perto era eu mesmo. Tinha 40 anos.

Sempre digo que as décadas são como placas tectônicas que, vez ou outra, pedem rearranjos. Como se terremoto provocasse, mudam de posição, remexem nas certezas, destroem falsos patamares e, o melhor, desmascaram novos horizontes. Também digo que para cada década há um verbo conjugado. Quando adolescemos buscamos. Reconhecimento, carreira, aprovação, corpo definido, voz bem colocada, batalhão de corpos à disposição, litros de esperma esparramados por aí.

Quando chegamos aos 30 anos, precisamos. Da certeza que escolhemos a profissão certa , de amigos legítimos, de despejar o esperma no lugar certo, de amar e de traduzir o que é amor, de um patrimônio, financeiro ou emocional, mínimo que seja. Precisamos já de um passado nítido. Queremos enfim pisar firme.

Aos 40 anos, decidimos. É a hora de reciclar, triturar, excluir, mais até do que acrescentar. É o momento de reengenharia quântica. Dar um tempo nas buscas, de rever o que precisamos de fato. Do que preciso, do que não preciso, do que ainda é meu, do que é nada. Não chega a ser um outono, mas se pode dizer que é um outro verão, mais ameno, que ainda queima, mas não tosta a pele. Até porque já sabemos que não vale a pena se queimar tanto por pouco. Queremos, enfim, sedimentar o que pisamos.

Ainda não cheguei aos 50 anos, nem sei se chegarei, ninguém nunca sabe. Você pode até querer, pode apostar, mas não pode garantir que chega. Não é nítido como o passado que o tatua. Isso para dizer que o cinquentenário, tecnicamente mais da metade do que podemos viver aqui no Brasil, deve ser o tempo do verbo plainar. Quando as inquietações, as expectativas, as adesões diminuem. É hora de o homem que eu não conheço, nem planejei ser, encontrar com o que já fui e quis ter. Juntos, esses dois caras formatam o que Gilberto Gil, o músico, chama de silêncio. Para ele, juventude é ruído, maturidade é silêncio.

Ou não.

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