sábado, 28 de janeiro de 2012

ANTES DO PRIMEIRO BEIJO DE AMOR


Estava convencido de que era um rapaz gay diferente de todos os outros que conhecia. Lúcio era tímido, romântico e sonhador. Em seus mais doces devaneios sonhava com um encontro mágico. Acreditava em almas gêmeas e sabia que um dia encontraria a sua. Sexo para Lúcio nem era tão importante, apenas mero detalhe, a cereja do bolo.

Aos 22 anos a ideia de encontrar um grande amor havia se tornado um pensamento quase obsessivo. Os amigos o aconselhavam. Diziam que a "outra metade da laranja" aparecia quando menos se esperava. Mas enquanto não aparecesse ele tinha de experimentar, beijar todas as bocas que pudesse, se jogar em várias camas, frequentar banheirões, cinemões, saunas, dark rooms e aproveitar toda a infinidade de oportunidades sexuais que o mundo gay podia lhe proporcionar.

Lúcio torcia o nariz pra toda a baboseira de promiscuidade gay que os amigos tentavam lhe enfiar goela abaixo. Era tremendamente romântico e praticamente virgem. Em toda sua vida só havia transado com dua pessoas, beijado algumas e dados uns amassos mais fortes numa meia dúzia. Teve uma fase em que chegou a pensar que era assexuado, mas logo depois convenceu-se que não, gostava de sexo. Só não queria fazê-lo com qualquer um, pelo simples impulso de trepar, sem nenhum sentimento, sem nenhuma emoção pós-coito que o fizesse sentir vontade de ficar grudado no outro aspirando o perfume selvagem do sexo e ouvindo sua respiração se acalmando lentamente depois do gozo.

As baladas, Lúcio frequentava apenas porque amava dançar e tomar seus drinks. Já havia há muito desistido de encontrar a "tampa de sua panela" em meio a música pop e bichas fazendo "carão". Ficar não ficava com ninguém, assim que botava os pés na pista fazia pose de antipático e interagia só com os amigos, mal olhava para os lados e se algum corajoso tentasse se aproximar virava a cara com ar arrogante e se afastava sem cerimônias. Sabia muito bem o que esses caras de boate queriam e radical, decidiu que nunca mais daria chance pra essas ficadas de uma noite.

Seguia assim sua vida, procurando enxergar tudo através de seu belo óculos de grau Dolce & Gabbana pelas lentes do amor. Lúcio reconhecia suas qualidades. Apesar de ingênuo, era culto, bonito, adorava moda, portanto antenado, estava sempre bem vestido. Por tudo isso tornava-se cada vez mais exigente. Incansável, estava sempre ligado em todas as oportunidades. Além da procura por sites de relacionamento na internet, sempre reparava bem em quem sentava ao seu lado na sessão de cinema, em quem estava ao seu redor enquanto passeava pelas estantes de uma livraria, em quem esperava como ele na fila do banco, nas pessoas que caminhavam próximo à ele no parque. Era assim que acreditava encontrar sua "cara-metade", por acaso, no cotidiano do dia a dia, sem subterfúgios. Os olhos se cruzariam como num passe de mágica e o encantamento aconteceria. Frio na barriga, coração acelerado, pernas trêmulas, boca seca.

Lúcio tinha urgência de um sentimento assim, uma paixão arrebatadora. Se não acontecesse logo, tinha medo de enlouquecer e perder seus critérios. Até que um dia surgiu o homem perfeito. Dentro do metrô, os olham de Lúcio encontraram os de Kauã. Moderno, cheio de estilo, com cabelos rockabilly, óculos redondos de grossos aros negros, carregando uma bela bolsa branca Vitor Hugo de alça, Kauã parecia saído diretamente de um filme dos anos 60, e o fascínio de Lúcio por aquele homem maravilhoso foi imediato.

No decorrer do trajeto, ao perceber que pairava uma química entre os dois, Kauã aguardou vagar o assento ao lado de Lúcio e sentou-se. Discreto e cuidadoso puxou assunto. Em poucos minutos engataram um papo empolgante. Kauã contou que estava indo pra casa ao sair da faculdade e Lúcio o convidou para visitar com ele uma exposição de arte moderna que estava indo ver sozinho. Kauã não pensou duas vezes, acompanhou Lúcio em seu passeio cultural e de lá foram tomar um capuccino numa cafeteria próxima dali.

O coração de Lúcio transbordava de excitação e alegria a cada palavra, a cada troca de olhar, a cada toque de mãos, a cada gole de capuccino acompanhado daquele homem deslumbrante. Seria ele o amor de sua vida que tanto esperou? Kauã era bonito, cheiroso, fino, discreto, tinha a voz baixa e rouca mas firme. Era bom demais pra ser verdade, precisava se beliscar pra ter certeza de que não era um sonho. Quando Kauã levantou-se para ir ao toillete, Lúcio começou a rir-se em silêncio, não conseguia disfarçar a felicidade incontida. Haveria encontrado o amor afinal?

Ao voltar à mesa, Kauã propôs que Lúcio o acompanhasse até sua casa para se conhecerem melhor. Lúcio teve receio de parecer fácil demais, mas desejava ardentemente aquele homem como a muito não desejava ninguém. Queria beijá-lo, tocá-lo, senti-lo mais intimamente. Seu perfume o inebriava, a textura de sua pele o instigava. Lúcio aceitou o convite, com o coração na boca, cheio de receios, mas aceitou.

No pequeno e aconchegante apartamento de Kauã, o anfitrião serviu dois minúsculos cálices de licor de amora. Lúcio saboreou lentamente o primeiro gole e aproximou sua boca, que estava doce como mel e sedenta por um beijo, da de Kauã, que o interrompeu pedindo um segundo. Kauã afastou-se de Lúcio, foi até o sofá onde havia deixado sua bela bolsa Vitor Hugo, abriu-a e de lá tirou uma faca pontiaguda, afiada e reluzente. Reaproximou-se de Lúcio, que nada percebera, com as mãos para trás e pediu que o beijasse. Ao primeiro roçar de lábios, Lúcio sentiu a primeira dolorosa estocada de uma série, bem na boca do estômago e antes do último suspiro, banhado na poça de sangue que se formou no meio da sala, conseguiu pensar que realmente era bom demais pra ser verdade, que sonhos podem se transformar em pesadelos e que o amor às vezes pode acontecer, mas só às vezes.

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