domingo, 26 de outubro de 2008

CONTOS DE JEAN WYLLYS

Ele é simples e cortante como um punhal afiado. Posto aqui dois pequenos contos do polêmico ex-participante do bbb5, histórias curtas que mexeram profundamente com minhas emoções:


LUA VERMELHA

O Convento de Santa Tereza, os prédios do Comércio, a praça Castro Alves e a rua Chile jaziam ao som das águas da baía. A lua cheia, suspensa a altura do forte, ofuscava as luzes dos navios. Àquela hora da madrugada, ouvia-se apenas o som dos cães arrastando os sacos na calçada. O silêncio tomara conta da rua do Edifício Pequim, onde, debruçada sobre a janela, Lua (Lucineide era seu nome de batismo) olhava a paisagem. Coberta por um vestido cor de leite, que constratava com sua pele negra, e com uma passadeira na cabeça prendendo os cabelos espichados, ela parecia vestida para um dia especial. Embora sua vida fosse vazia de dias especiais e quase sem amor.
Até aquele dia, Lua só havia conhecido trabalho, privação, humilhação e tirania. Dormia no quarto pequeno e úmido da área de serviço e trabalhava nas ocupações dométicas das seis da manhã as onze da noite. Ouvia, todos os dias, a patroa dizer que as empregadas, apesar de tratadas como filhas, não valiam nada, eram preguiçosas, ladras e só sabiam namorar. Há doze anos morando em Salvador, Lua nunca havia beijado.
Os homens - até mesmo o porteiro do prédio, manco e evangélico - não olhavam para ela. Viera de Queimadas, uma terra seca lá para as bandas de Monte Santo, meio vendida pela mãe. Do lugar, ela guardava a lembrança apenas das estrelas da noite e da música de Luís Gonzaga no rádio de pilha vermelho. Em Queimadas, ela aprendera que à tarde o sol vai para o Japão. E a Lua, viria de lá?
Deixara de freqüentar a escola porque parecia invisível, ainda que não tivesse consciência de que fora por esse motivo. Não queria voltar para Queimadas, mas também não queria ficar em Salvador. Lua não sabia aonde ir. Sentada, agora, sobre o parapeito da janela, ela observava a Lua e tentava enxergar o dragão de São Jorge na bola branca. Uma tristeza preta pesou sobre o seu peito. Sentiu vontade de pegar a Lua. Lua, Lua, Lua, eu sempre quis você. O vento da noite soprava o vestido branco, que caía em disparada. As mãos e os pés a se debaterem no ar, e o estrondo a rasgar o silêncio da madrugada e a despertar o sono do dragão. Do décimo andar do edifício, onde seus patrões dormiam como eleitos, o vestido de Lua parecia uma flor branca desabrochada, contornada por folhas vermelhas que escorriam pela calçada, a refletir a Lua menstruada.


NADA SERÁ COMO ANTES

Em uma tarde morna, sob um céu rosado, eles se despediram no aeroporto que ainda se chamava Dois de Julho. Abraçaram-se demoradamente. Não disseram uma só palavra. Apenas as lágrimas davam conta do quanto um sentiria falta do outro. Os pais de João, aquele que partiria em breve, assistiram a despedida com bastante paciência. Em seguida, chamaram o garoto, pois o vôo havia sido anunciado. André, aquele que permaneceria em Salvador, deixou que o avião se espelhasse em seu olhar até sumir. Sentiu algo se apagar dentro dele. Toda despedida é um princípio de escuridão.
João e André se conheceram ainda no primário, mas só se tornaram amigos no ginásio. Os anos seguintes só serviram para aproximá-los ainda mais. Trocavam revistas em quadrinhos, fotografias, filmes e discos de pop rock. Sentavam-se próximos na sala de aula, permaneciam juntos durante os intervalos e, quando chegavam em casa, penduravam-se horas ao telefone, conversando entre si. Nos fins de semana, trancavam-se no quarto de um ou do outro para ouvir Legião Urbana e só saíam com as respectivas namoradas, se o casal amigo pudesse acompanhá-los.
Aliás, as namoradas foram problema em suas vidas. Enciumadas, elas não entendiam como dois homens podiam ser tão amigos e chegavam mesmo a insinuar que os dois eram veados. Quando isso acontecia, fosse com André ou com João, o namoro acabava imediatamente. Eles não amavam as mulheres com as quais se relacionavam, e, mesmo que amassem, acreditavam que a amizade era superior ao amor. Na verdade, João e André se amavam, pois a amizade nada mais é do que um amor despido de sexualidade, mais esperitual, portanto mais profundo.
Assim seguiram até o dia em que o pai de João conseguiu um emprego em uma corretora de imóveis em Miami, nos Estados Unidos. André tentou de todas as maneiras que João ficasse em Salvador. Chegou a oferecer sua casa para o amigo morar, mas o pai de João acreditava que o futuro profissional do filho estava no Primeiro Mundo. Resignados com a separação, prometeram que se falariam até o dia em que se encontrassem novamente. João garantiu que, assim que chegasse em Miami, ligaria para passar o telefone e que escreveria também.
Nos primeiros dias após a viagem, André não se afastou do telefone, esperando a ligação do amigo, que não veio. Atendeu ansioso a todas as chamadas telefônicas, mas, em nenhuma delas, João estava do outro lado da linha. Para preservar um mínimo de claridade na face, André resolveu acreditar que o amigo estava impossibilitado de ligar, que escreveria em breve. O carteiro, entretanto, só deixava na caixa postal extratos bancários. Passaram-se dois anos e André não recebeu nenhuma carta, nem uma ligação sequer do amigo. Nessa ocasião, passava os dias bêbado ao lado do telefone. Seus pais já não sabiam o que fazer para devolver o ânimo ao filho. Largado em um canto da sala, numa noite fria, André ouviu no rádio uma canção que dizia "eu já tô com o pé nessa estrada, qualquer dia a gente se vê, sei que nada será como antes, amanhã". Sorriu discretamente, guardando, na boca de sua noite, um gosto de sol.


Gostaria que comentasse qual o melhor na opinião de vcs e pq?

Um comentário:

André Arteiro disse...

O segundo é lindo... Certas amizades são foda mesmo. É isso mesmo, você ama a pessoa, só não há sexo. Mas há ciúmes, falta, carência...